A Espanha decretou neste fim de semana estado de alarme em função do coronavírus que, inicialmente, deve durar pelos próximos 15 dias. O país é o quinto no mundo e o segundo na Europa mais afetado pela covid-19, atrás apenas da Itália, e já registra 767 mortes e 17.147 casos da doença (Dados de quinta-feira, 19)*.
Desde a noite do último sábado (14), as pessoas estão em confinamento e só é permitido sair de casa para trabalhar, comprar comida, medicamentos, ir a um hospital ou passear com os cachorros, respeitando a distância de pelo menos um metro e a determinação de uma pessoa por carro.
Mais de 1.000 soldados foram designados para fiscalizar o cumprimento das regras definidas pelo governo, orientando as pessoas que não tem justificativa para sair, que voltem as suas casas. E as pessoas que descumprirem a determinação podem ser multadas, entre 500 e 2.000 euros.
A partir desta terça-feira (17), a Espanha vai controlar a circulação de pessoas em suas fronteiras terrestres para conter a expansão do coronavírus. O Governo decidiu nesta segunda-feira suspender o Tratado de Schengen – o acordo de Schengen é uma convenção entre países europeus sobre uma política de abertura das fronteiras e livre circulação de pessoas entre os países signatários – , seguindo a decisão do conselho de ministros de Sanidad e Interior da União Europeia.
Ouvimos os depoimentos de brasileiras de diferentes regiões do país sobre como está a situação na Espanha.
O depoimento de Suzy Borges (residente há 13 anos em Terrassa, cidade da Comunidade Autônoma da Catalunha, a 28 km de Barcelona) foi enviado para mim, no domingo à noite, e estou mantendo ele para que vocês vejam que em questão de horas, a situação em cada país está mudando. Quando me escreveu esse texto, ela estava em confinamento em casa deste sexta (14). Agora pela manhã (terça-feira – 17), Suzy me fez uma chamada de vídeo visivelmente emocionada e abalada, mostrando que nos supermercados as prateleiras estavam vazias. “Não tem mais nada de produtos de higiene, não tem mais álcool em gel, não tem sabão para lavar a louça. A situação é muito mais grave do que imaginei. Também falta comida, não sei nem o que levar”, me disse.
Ela que trabalha em uma agência bancária em Terrassa e até segunda (16) estava indo ao trabalho – usando máscara e luvas – disse que agora o serviço presencial foi reduzido ao mínimo e os funcionários estão trabalhando divididos em turnos. “Eu faço parte do primeiro turno e ficarei em casa até o dia 27 de março. Na segunda (30), volto ao trabalho e o outro entra em confinamento. Somos 4 turnos. Estamos dando os serviços mínimos. As consultas devem ser feitas por telefones e e-mails, operações que se pode fazer por caixas eletrônicos não se faz em caixa, apenas se o cliente não souber operar”, explicou.
Leia o relato que ela nos enviou no domingo, como a situação mudou em poucos dias:
Li o relato da brasileira Raïssa Cajaraville que vocês publicaram sobre a França. Aqui a situação é similar ao relato dela.
Na segunda-feira (9), fui ao supermercado, quando ainda estava tudo “normal” e comprei só o que realmente estava precisando. Em casa vimos as notícias e minha filha (10 anos) a princípio estava um pouco assustada, pela avó que já tem 85 anos e está no grupo de mais risco. Passamos o dia em casa, assistindo Netflix, estudando e brincando de jogos de mesa em família. Como um final de semana super prolongado!
Está mais complicado para o meu marido, que já saiu 3 vezes para passear e ver como está o ambiente, desrespeitando as recomendações de só sair em casos de extrema necessidade. No último passeio, por pouco, não foi chamado atenção pela polícia que faz a guarda na rua.
Os bancos a partir de hoje (16) estarão funcionando, em horário reduzido, com limite de entrada de um cliente por agência e respeitando o limite de no mínimo um metro de distância entre pessoas. Os saques só por caixa eletrônico. Eu trabalho em banco e me obrigaram a gastar um dia de férias, já que minha filha não tem aula e não tenho com quem deixá-la. Mesmo podendo fazer em casa quase o mesmo que faria na agência.
Resumindo, não acho que se deva tomar como algo sem importância, mas o caos está na histeria das pessoas, na falta de consciência coletiva. Não vejo necessidade em comprar 30 tubos de álcool gel quando em casa se tem água e sabão, nem estocar comida quando o governo já chamou a calma e disse que o abastecimento está garantido.
Nas próximas semanas a situação irá piorar. De sábado para domingo já foram mais de 1500 novos casos.
Na minha humilde opinião deveriam fechar tudo nesses 14 dias para frear a circulação do vírus. É horrível para a economia, mas a incerteza do que pode acontecer é ainda pior.
Em Terrassa foram registrado 12 casos de pacientes com coronavírus até o momento. Na Catalunha ocorreram 12 óbitos.
Luciana Cavalcante – (reside há 20 anos em Alicante, Comunidade Valenciana)
Luciana escreveu este depoimento para enviar aos familiares no Brasil, neste fim de semana:
Olá…
Essa mensagem vai pros meus amigos e familiares no Brasil, mas também espero que ao máximo de pessoas possíveis.
Me sinto no dever de alertar vocês.
Moro na Espanha e posso garantir que a situação aqui está muito, mas MUITO complicada. A partir de domingo (15), estamos proibidos de sair de casa por tempo indeterminado, os colégios, comércio, clínicas, etc estão fechando. Os hospitais colapsados, estão habilitando hotéis e asilos para transformar em leitos de hospital. Eu gostaria de relembrar vocês que há um mês atrás, nós também pensávamos que essa história só atingiria a China e não chegaria aqui.
Mas chegou, e de uma maneira muito descontrolada, bloqueando o país. Também ríamos e tomávamos como piada tudo isso, até bater na nossa porta. Hoje o país inteiro está apagado, triste e assustado.
Não percam o bom humor, mas também não percam a responsabilidade. Enquanto vocês estão em tempo, tentem controlar esse vírus saindo pouco de casa, evitando aglomerações de pessoas (shows, teatros, manifestações), não cumprimentem com beijos, abraços ou aperto de mãos, mantenham o mínimo de um metro de distância de outra pessoa, evitem na medida do possível o uso de transporte público (embora eu saiba que é muito difícil fazer) e, acima de tudo, no mínimo sintoma de gripe, FIQUEM EM CASA, assim é a única maneira que vocês tem para não disseminar essa pandemia num país precário e com um dos sistemas públicos de saúde mais deficientes de toda América do Sul.
Por favor, me escutem e levem a sério tudo isso. É muito importante para que não haja colapsos, paralisações e por consequência, mortes. Obrigada e sorte!
Ao Compartilhe Viagens, Luciana contou que na rua em que mora, as pessoas vão para varanda e colocam música das 17h às 19h “para descontrair um pouco”. “Na rua do meu filho colocaram a Macarena e todos dançaram. Em uma comunidade de vizinhos, fizeram um bingo”, conta.
Ela falou ainda que todos os dias às 22h, as pessoas vão nas varandas aplaudir os trabalhadores da saúde. “É emocionante”, disse.
Nesta segunda-feira (16) à noite, Luciana também me fez uma chamada de Whatsapp, mostrando a rua onde mora, completamente vazia e mostrou medo em relação a ser abordada por um policial por estar na rua descumprindo a regra de confinamento. Para justificar a saída em horário de trabalho, ela anda com uma declaração da empresa comprovando que está trabalhando.
Depoimento Maiara Cruz (residente em Valência há 4 meses)
Hoje é terça-feira, dia 17 de março de 2020, e há exatamente cinco dias a minha vida mudou de ponta-cabeça. Estou na Espanha, mais precisamente na cidade de Valência. Foi aqui na Comunidade Valenciana a primeira morte confirmada por Coronavírus no país, no dia 3 de março.
É difícil descrever nosso sentimento esses dias. As informações mudam a cada momento e, como previsto, os números de pessoas infectadas crescem assustadoramente, juntamente com o número de mortos.
Estou aqui com o meu marido e minha cadela, e sei que não somos grupo de risco, mas a possibilidade de estarmos contaminados, propagando o vírus pela nossa vizinhança, faz com que a gente passe a refletir sobre o nosso comportamento.
Se na semana passada alguém me dissesse que estaríamos vivendo tudo isso, eu jamais acreditaria. Até a última terça-feira, dia 10 de março, milhares de valencianos se concentravam na praça central da cidade, para ver a Mascletà, uma queima de fogos que acontecia todos dias, desde o início de março, às 14h. Essa era uma das programações das Fallas, a festa mais importante da Comunidade Valenciana. Para você ter uma ideia, é como se fosse o carnaval deles.
No final de fevereiro, já ouvíamos rumores de que talvez essas festas fossem canceladas, mas a escolha do governo e da prefeitura foi deixar que elas continuassem, afinal, a situação só estava caótica na China. Mas a propagação do vírus é tão rápida, que faz as coisas passarem pelos nossos olhos sem que a gente perceba. Ao nosso lado, a Itália começou a enfrentar sérios problemas. Enquanto por aqui, o país continuava recebendo milhares de turistas e seguindo com tudo normalmente.
No dia 9 de março, a Espanha vivia seu primeiro ponto crítico. Em apenas 24h, os casos de pessoas infectadas com o Coronavírus se multiplicaram de uma maneira drástica e o Governo precisou tomar medidas fortes de contenção, principalmente na Comunidade de Madri, que já era a região que registrava um maior número de casos.
A medida mais impactante, que fez a gente começar a perceber que as coisas estavam mais sérias do que imaginávamos, foi o cancelamento das Fallas em Valência, no dia 10 de março. Isso nos deixou com uma pulga atrás da orelha, mas ainda seguíamos nossa vida normalmente. Até que começamos a encontrar os supermercados com as prateleiras vazias. Parecia uma cena de filme.
Desde o cancelamento das festas, até o decreto de quarentena do governo espanhol, se passaram quatro dias. Esse tempo foi o suficiente para mudar por completo nossa percepção do problema. Agora somos obrigados a permanecermos em casa, com acesso muito restrito à rua. Só poderemos sair para levar nossa cachorra para fazer suas necessidades e para comprar remédios e alimento. Nossa vida ficará assim pelos próximos 15 dias ou mais.
Como nosso trabalho sempre foi remoto e minhas aulas vão permanecer online, a nossa rotina não muda muito. Mas tem sido duro nos depararmos com o silêncio sepulcral que se instalou na cidade. Ver as ruas completamente vazias e as pessoas com o sentimento de pânico, sem saber se seus familiares mais velhos vão conseguir sair dessa, e quando o país vai conseguir se recuperar desse baque, faz com a gente também sinta essa dor.
Esses dias têm sido de muita reflexão para todos. Mas agora a única coisa que podemos fazer é continuar mantendo a calma, ter – muita – paciência, seguir buscando informações seguras e nos cercando de cuidados, para proteger não somente nós dois, mas a todos que nos cercam.
Leia mais sobre o coronavírus na Europa:
*Com informações da Agência Reuters.