Mártires de Cunhaú e Uruaçu: os novos santos brasileiros são do Rio Grande do Norte

O Brasil, que até hoje só tinha São Frei Galvão, irá ganhar, de uma só vez, 28 novos santos. No próximo domingo, 15 de outubro, o papa Francisco irá canonizar os Mártires de Cunhaú e Uruaçu, vítimas dos massacres comandados pelos holandeses, que ocorreram há mais de 3 séculos nessas duas comunidades no estado do Rio Grande do Norte.

A canonização deverá despertar o turismo religioso no estado, que hoje tem como principal local de peregrinação a estátua de Santa Rita, considerada a maior estátua católica do mundo.

Para escrever este post, entrevistei o padre Júlio, responsável pela causa dos Mártires na Arquidiocese de Natal, que me contou a história dos mártires, os detalhes sobre a canonização e a expectativa do desenvolvimento do turismo religioso no estado.

Também visitamos um dos locais onde aconteceu o massacre e outros monumentos dedicados aos mártires e que já são lugares de visitas de peregrinos e, em breve, devem se tornar importantes atrações turísticas.

O post faz parte de uma blogagem coletiva do grupo de blogueiros “Viajando pelo Nordeste” e foi publicado hoje em homenagem ao Dia do Nordestino. No final do texto, tem também um vídeo.

Imagem dos Mártires de Cunhaú e Uruaçu no Santuário Chama de Amor
Imagens dos Mártires de Cunhaú e Uruaçu no Santuário Chama de Amor

FOTO EM DESTAQUE DO POST: Júnior Santos, cedida pela Assessoria de Imprensa de São Gonçalo do Amarante.

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Entrevistando o Padre Júlio
Entrevistando o Padre Júlio

Para entender a história dos massacres de Cunhaú e Uruaçu, primeiro é preciso conhecer o contexto histórico em que aconteceram. Os martírios ocorreram no século 17, período do Brasil colonial, em que parte do Nordeste brasileiro estava sob domínio holandês (dezembro de 1633 a 1654).

A Capitania do Rio Grande, que ia da foz do rio Jaguaribe (Ceará) até a baía da Traição (Paraíba), incluindo o atual Rio Grande do Norte também fazia parte da colônia holandesa no Brasil. Assim como a Capitania de Pernambuco, onde fica a capital do Brasil Holandês, a cidade do Recife.

O engenho de Cunhaú, a 72km de Natal no atual município de Canguaretama, era o grande produtor de açúcar da região, responsável por 70% do que era produzido no Brasil.

Segundo o Padre Júlio, responsável pela causa dos Mártires na Arquidiocese de Natal, o interesse econômico no engenho Cunhaú foi uma das razões que levaram ao massacre. “O governador da colônia holandesa no Brasil, o Conde Maurício de Nassau, que é tido como um grande herói holandês, deixou um legado grande em Recife, com muitas construções, mas no Rio Grande, o interesse era só de exploração, você não vê nada construído pelos holandeses. Pelo contrário, eles tentam tirar o que nós temos, mudam o nome da cidade, o nome do forte pra tirar a conotação católica”, destaca.

Sob o domínio holandês, Natal passou a se chamar Nova Amsterdã e a Fortaleza dos Reis Magos de Castelo de Keulen, em homenagem a um príncipe holandês. “Os holandeses eram calvinistas e tentaram impor essa religião”, explica padre Júlio.

Naquela época, na Capitania do Rio Grande só existiam duas paróquias. A paróquia de Cunhaú e a de Natal, os padres das duas paróquias foram mortos no massacre, juntamente com mais de uma centena de pessoas.

Cunhaú

Capela de Nossa Senhora das Candeias, onde aconteceu o massacre de Cunhaú
Capela de Nossa Senhora das Candeias, onde aconteceu o massacre de Cunhaú

O martírio de Cunhaú aconteceu em 16 de julho 1645, na Capela de Nossa Senhora das Candeias, no Engenho Cunhaú. Era um domingo, dia de Nossa Senhora do Carmo e missa estava lotada.

A serviço do governo holandês, o alemão Jacob Rabbi mandou publicar um edital dizendo que após a missa teria um comunicado importante do governo holandês. “As pessoas acreditaram que seria a liberdade religiosa. E a coisa foi tão traiçoeira que não se esperou nem terminar a missa. Quando o padre estava na hora da consagração, Jacob Rabbi, com os índios e os soldados holandês, fecharam as portas e começaram a matar”, conta padre Júlio.

De acordo com padre Júlio, os holandeses davam a oportunidade dos presente na missa, “salvarem a vida”, bastava só que eles dissessem que renunciavam à fé católica e que assumiam a fé calvinista. “Só que as pessoas não aceitaram isso. Disseram que preferiam morrer a perder a fé. O padre André de Soveral exortava a todos que naquele momento fizessem seu exame de consciência, pedissem perdão, foi um espécie de confissão comunitária”, acrescenta.

Em Cunhaú, foram mortas quase 80 pessoas, só se sabe apenas os nomes do padre André de Soveral e do leigo Domingos de Carvalho. Por isso, apenas esses dois mortos no massacre de Cunhaú serão canonizados, juntamente com outras 28 pessoas de Uruaçu. “A igreja não proclama santos se ela não tiver pelo menos uma identificação. Um exemplo é o caso da filha de Antonio Vilela, também morta no massacre. Não se sabe o nome dela, mas se sabe que era a filha de Vilela”, justifica padre Júlio.

Uruaçu

Missa na Capela de Uruaçu, no feriado dos mártires, 3 de outubro. Foto: Assessoria de Imprensa Prefeitura de São Gonçalo
Missa na Capela de Uruaçu, no feriado dos mártires, 3 de outubro. Foto: Júnior Santos, cedida pela Assessoria de Imprensa Prefeitura de São Gonçalo

Depois do massacre em Cunhaú, o Padre Ambrósio Francisco Ferro, que era o pároco de Natal, chamou os fiéis para se refugiarem no Forte dos Reis Magos. “Acreditava-se que os holandeses na capital teriam outra mentalidade, como a gente pensa ainda hoje e, durante 2 meses, eles estiveram seguros. Até que no dia 3 de outubro chegou novamente Jacob Rabbi. Mas você pode perguntar, eles acreditaram na palavra dele? Talvez eles não soubessem quem era, naquele tempo, não tinha foto, não tinha Whatsapp, Facebook para descobrirem quem ele era. Então, chega esse homem lá dizendo que veio em nome do governo holandês para levá-los para um lugar mais seguro, que está sabendo que o forte será invadido. Eles acreditam e entraram nos barcos que navegaram pelo rio Uruaçu”, relata padre Júlio.

Naquela época, Uruaçu não era uma localidade, apenas um rio, ao chegar no local onde hoje existe um monumento aos Mártires, a 30 km de Natal, no atual município de São Gonçalo, Jacob Rabbi mandou todos descerem dos barcos e as pessoas perceberam que se tratava de uma emboscada. “Ele manda todos tirarem as vestes, ficarem de joelhos, e vai perguntando de um a um se querem renunciar a fé católica, os que dizem que sim, são poupados, os que dizem não, são mortos de maneira muito cruel. Crianças são partidas ao meio, outras pessoas têm braços decepados, pernas decepadas, cabeças arrancadas, também as línguas foram arrancadas para que eles não rezassem, não cantassem louvor. Com o padre Ambrósio Ferro fazem coisas terríveis, arrancam a língua e os órgãos genitais, para colocar na boca, no lugar da língua, e atentar contra o pudor do padre”, detalha padre Júlio.

Em Uruaçu, mais de 150 pessoas foram mortas. Também no Forte dos Reis Magos foram mortos João Martins e 7 amigos. “Quando chega a vez dele (João Martins), os soldados dizem que se ele renunciar a fé, não só poupará a vida, como será oficial do exército holandês. E ele disse: Dá-me até vergonha ainda estar vivo quando vejo o sangue dos meus amigos derramado na terra, matem-me logo pelo Cristo. Essa também é uma profissão de fé”.

O padre conta ainda que em Uruaçu, o leigo Mateus Moreira tem o coração arrancado pelas costas. “Eu costumo fazer uma comparação que quando a gente está com a unha do dedo mindinho encravada e bate na quina do guarda roupa, a gente não chama nem o nome de Jesus e diz o que não deve. Mateus Moreira, com o coração arrancado pelas costas, no período que não existia anestesia, diz: ‘louvado seja o Santíssimo Sacramento’. Por isso ele é o padroeiro dos ministros da comunhão eucarística do Brasil”.

Dos 150 mortos em Uruaçu, 28 foram identificados e também serão canonizados. Os novos santos serão chamados da seguinte maneira: André de Soveral e Ambrósio Francisco Ferro, presbíteros, Mateus Moreira leigo e seus 27 companheiros no martírio de Cunhaú e Uruaçu.

Dos 30 que serão canonizados, dois não tinham nacionalidade brasileira, o padre Ambrósio Francisco Ferro, que era português e João Navarro, que era francês. Mas ambos moravam na capitania do Rio Grande.

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A canonização será realizada no próximo dia 15 de outubro, na Basílica de São Pedro, no Vaticano. Um grupo de 400 pessoas viajará de Natal para estar presente na celebração no Vaticano.

No último dia 3 de outubro, feriado estadual no Rio Grande do Norte, foram realizadas várias celebrações em homenagem aos mártires, em especial, na Capela dos Mártires, em Uruaçu e no Santuário dos Mártires, no bairro de Nazaré, em Natal.

Após a canonização, no dia 28 de outubro, será realizada uma grande missa de Ação de Graças em Uruaçu, às 16h, presidida pelo núncio apostólico, dom Giovanni D´Aniello, embaixador do papa no Brasil. São esperadas mais de 40 mil pessoas para este dia.

Missa nos Santuário dos Mártires no feriado do dia 3
Missa nos Santuário dos Mártires no feriado do dia 3

Dispensa de milagres

Quando se trata de uma canonização, normalmente, o Vaticano exige dois milagres diferentes: um para a beatificação e outro para a canonização. No caso de mártires, o milagre da beatificação sempre é dispensado, pois considera-se que o milagre é dar a vida pela fé. No caso dos mártires de Cunhaú e Uruaçu foram dispensados os dois milagres.

“Só quem pode fazer a dispensa é o papa. Ele conheceu a história dos nossos mártires pelo Cardeal Cláudio Nunes, que prefeito da congregação para o clero em Roma e foi também arcebispo de São Paulo, e segundo o próprio papa, foi ele que sugeriu o nome Francisco, quando na hora do anúncio da escolha do papa, ele estava sentado ao lado dele.
O papa pediu que a congregação para a causa dos santos, apressasse os estudos para acelerar a canonização, mas faltava o milagre. O papa Francisco chegou à conclusão que o maior milagre teria sido passar 3 séculos dessa história e não ter se apagado no tempo”, afirma padre Júlio.

Mas, segundo ele, depois do anúncio da canonização já foram recebidos 3 milagres: dois em Natal e um no Rio de Janeiro.

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A canonização dos Mártires de Cunhaú e Uruaçu dará novo ânimo ao turismo religioso no Rio Grande do Norte, que tem como um dos lugares mais visitados a Santa Rita, que fica no município de Santa Cruz, a 115 km de Natal, e é considerada a maior estátua católica do mundo.

Capela Nossa Senhora das Candeias

A capela onde aconteceu o massacre de Cunhaú há mais de 372 anos, ainda se mantém de pé e está aberta à visitação. A igreja fica dentro do Engenho Cunhaú, que, mesmo sendo uma propriedade particular, está aberta aos visitantes.

Na Capela Nossa Senhora das Candeias (foto acima) tem missas todos os domingos, às 10h30, exceto no primeiro domingo do mês, que a missa é celebrada às 10h, no Santuário Chama de Amor, que fica na entrada do engenho. Na frente do santuário tem também um monumento em homenagem aos mártires.

Imagens dos mártires no Santuário Chama de Amor
Imagens dos mártires no Santuário Chama de Amor

A capela tem recebido caravanas de outros estados, visitas escolares e visitantes até de outros países. Também lá tem um historiador, que, de segunda à sexta, das 8h às 12h e das 14h às 17h, oferece visita guiada gratuita. Basta agendar no telefone da secretaria da paróquia: (84) 3241-2577.

Uruaçu

Capela de Uruaçu. Foto: Wendell Jefferson, cedida pela Assessoria de Imprensa da Prefeitura de São Gonçalo
Capela de Uruaçu. Foto: Wendell Jefferson, cedida pela Assessoria de Imprensa da Prefeitura de São Gonçalo

Em Uruaçu existe um Monumento em homenagem aos Mártires e uma Capela, inaugurado no ano 2000, onde são realizadas grandes celebrações no feriado do dia 03 de outubro.

O monumento e a capela ficam no município de São Gonçalo, a cerca de 30 km de Natal e estão abertos à vista, diariamente, até anoitecer (exceto festividades). As missas são realizadas todos os domingos, às 10h, com padres diversos, na capelinha dentro do monumento.

A Prefeitura de São Gonçalo informou, através de sua assessoria de imprensa, que jovens estão sendo treinados para trabalhar como guias após a santificação.

Na missa do dia 3 de outubro, Uruaçu recebeu mais de 30 mil fiéis. E são esperados 40 mil para o dia 28 de outubro.

Santuário dos Mártires

Santuário dos Mártires em Natal
Santuário dos Mártires em Natal

Em Natal, no bairro de Nossa Senhora de Nazaré, fica o Santuário dos Mártires de Cunhaú e Uruaçu, uma igreja grandiosa, com capacidade para 1.200 pessoas sentadas. As missas são celebradas de terça à sexta, às 19h, e aos domingos, às 7h e às 17h. O funcionamento da secretaria paroquial, de segunda à sexta, das 8h às 11h e das 14h às 17h.

Missa nos Santuário dos Mártires no feriado do dia 3
Missa nos Santuário dos Mártires no feriado do dia 3

Avenida Miguel Castro, 1002 – N. Srª Nazaré
(84) 3646.3189
http://psmartires.com.br/

Continue lendo este post para ver o vídeo que fizemos da entrevista com o padre Júlio:


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