Estamos em 2020 e, acreditem se quiser, ainda existe escravidão. Estima-se que ao redor do mundo, 40 milhões de pessoas estejam nessas condições. Nesta quinta-feira, 30 de julho, foi Dia Mundial Contra o Tráfico de Pessoas. E amanhã (1 de agosto), dentro da programação do Mahila – Expedição Online à ìndia, nós teremos como anfitriã, a indiana Vinita Grewal, diretora do projeto Nai Asha, que atua no combate ao tráfico sexual. Para falar um pouco sobre este tema indigesto, mas que precisa ser discutido para ser combatido, pedi a minha parceira no projeto Mahila, Karen Aires, para escrever um texto que falasse sobre essa triste realidade do tráfico de humanos, principalmente, na Índia, que é o primeiro país do mundo em número de cativos. Neste post, ela também conta um pouco sobre a sua experiência no projeto Nai Asha, contribuindo na ressocialização das jovens resgatadas. Leiam se vocês querem se conscientizar sobre este assunto e dar a sua contribuição para mudar esta triste realidade:
Por Karen Aires (IG: @karen_dpaula)
Eu acredito que todos, em qualquer lugar, tem o direito a uma vida livre. Eu luto para que todo mundo, em qualquer buraco dessa terra tenha o direito de viver uma vida livre em todos os sentidos,mas principalmente livres da escravidão!
Você deve ter estranhado a primeira sentença deste texto e pensado, quem não acredita nisso? Isso é óbvio Karen, ou então, claro que concordamos com isso, escravidão? Isso nem existe mais. Mas acredite meus caros, milhões de crianças, adultos, e especialmente mulheres estão presos na escravidão em cada país no mundo, incluindo o nosso país!
Escravidão moderna consiste em uma grave exploração de outro ser humano com fins de ganho pessoal ou comercial. Se você parar para pensar, essa questão está impregnada nas nossa casas, nas prateleiras das nossas dispensas, nas roupas que vestimos. Você pode sem nem saber ser um grande investidor nas ações desse comércio lucrativo (um dos três tipos de negócios ilícitos mais rentáveis), caro e sujo! Caro porque custa a vida, a liberdade de outro ser humano, tão humano quanto eu e você. Quanto vale uma vida? Quanto vale uma história? Quanto você vale?
É de grande importância eu começar esse texto falando sobre a Escravidão moderna, afinal de contas, a escravidão moderna é mãe do Tráfico Humano, ambas são silenciosas e mortais. Estima-se que hoje no mundo há mais de 40 milhões de pessoas presas nas garras “sedutoras” desse sistema, digo sedutora, pelo fato de que geralmente os “agentes” se mostram confiantes, interessados em solucionar o problema de sua vítima, oferecendo-a um mundo de oportunidades e satisfação. Suas vítimas ludibriadas com o papo galã, acabam por tomar decisões arriscadas em busca de uma oportunidade única para mudar de vida, com intuito às vezes até altruísta de prover tudo que sempre quiseram para suas famílias, são aliciadas para essa exploração. Isso é apenas uma das formas que os agentes do tráfico de humanos se apresentam, mas eles também estão em sites de paquera online, agências online de empregos, perfis falsos em redes sociais. Desconfie de tudo que é muito fácil.
Uma em cada 4 vítimas são crianças e quase ¾ , ou seja, 71% são mulheres ou meninas. A causa para que esse câncer tenha tomado proporções de quase uma metástase generalizada é a vulnerabilidade, que é causada pela pobreza e a pobreza pela desigualdade social que é alimentada mais ainda pela corrupção, como bem diriam Bob Woodward e Carl Bernstein, jornalistas estadunidenses investigativos, da década de 70: “sigam o dinheiro!”. Os países que apresentam maior índice de pobrezas, que não possuem condições de trabalho, educação e uma perspectiva de de futuro para seus jovens são países estufas para o tráfico humano. Você já deu uma olhadinha nos índices do nosso país?
Bem debaixo do nosso nariz, ou seja, na nossa vizinhança, principalmente se você mora na região do Norte ou Nordeste do país soma-se mais de 75% da concentração de rotas de tráfico humano no nosso país. Hoje existem 241 dessa rotas para tráfico nacional e internacional, especificamente na área da exploração sexual de mulheres e adolescente.
De acordo com as pesquisas realizadas pela Organização Mundial do Trabalho, o tráfico de pessoas movimenta mais de 30 bilhões de dólares por ano, onde 79% das vítimas são usadas em primeiro lugar para prostituição, logo em seguida para o comércio de órgãos e em terceiro lugar para exploração de trabalho escravo para grandes fazendeiros (latifundiários) na área da pecuária, oficinas de costura e construção civil.
A Índia, o segundo país mais populoso do mundo, ficando atrás apenas da China, tem índices de pobreza alarmantes, 70% da população indiana vive em situação de pobreza. Como eu havia dito, um dos principais fatores para que o tráfico humano se prolifere no mundo é a vulnerabilidade causada pela situação de desigualdade social. Na Índia há cerca de 40 milhões de pessoas que são afetadas por esse câncer.
Mulheres e meninas são traficadas dentro e fora do país para o comércio sexual exploratório. Os traficantes de pessoas vendem ilegalmente para os países vizinhos, ou para países do Oriente Médio para o mesmo fim. Muitas vezes em busca de uma oportunidade na vida, as mulheres são traficadas para serem escravizadas em “empregos” como domésticas ou em “empregos” que não exijam habilidades profissionais, as mulheres podem acabar na indústria do tráfico humano e em situações de trabalho forçado ou servidão por dívida.
A questão de gênero, bem como, a discriminação e a violência contra o sexo feminino são ainda muito fortes na cultura indiana. Desde o nascimento, nos casamentos arranjados, e até mesmo dentro do sistema familiar podemos ver uma discriminação escrachada. Desde o nascimento de uma menina, onde, ainda hoje, muitos acreditam que ter uma criança do sexo feminino é uma maldição.
Sim, é verdade que a discriminação e a violência contra as mulheres estão arraigadas na história da sociedade indiana. O Dr. Ambedkar, pai dos intocáveis (DALITS), como carinhosamente o chamam na índia, lutou contra a não educação às mulheres. É garantido por lei que mulheres tenham acesso a educação, entretanto, de um modo geral a sociedade continua tratando as mulheres com um ser humano de segunda classe, ou seja, um sub-humano. Historicamente a Índia possui o costume da prática a prostituição forçada, ritualística, o casamento infantil, queimar viúvas juntos com seus falecidos maridos, comercialização de meninas em mercados públicos. Atualmente todas as práticas acima são consideradas um crime perante os direitos humanos, mas infelizmente algumas dessas práticas continuam acontecendo por debaixo dos panos.
Há mais de 5 anos envolvida com a Índia, e por quase três anos morando lá, pude ver de perto essas situações. Em 2017 fui convidada para desenvolver um trabalho voluntário no sul da índia, e pude conhecer mulheres que foram traficadas, e pela graça de DEUS resgatadas com vida. Tive o privilégio de me sentar com elas em uma tarde de ouví-las por horas, me contaram suas agonias, suas dores, seus questionamentos, tantos questionamentos! Lembro-me de uma delas dizer que não entendia o porquê de sua irmã estar envolvida no seu tráfico para receber um dinheiro que não cobriria suas despesas nem por um mês. Passei a maioria da minha estadia na Índia, morando no norte, na cidade de Lucknow, e foi lá que eu conheci a Vinita, uma mulher incrível. Nos conectamos instantaneamente, parecia que já nos conhecíamos há anos. Em sua adolescência, Vinita também foi vítima desse do tráfico de humanos.
Hoje, diretora do projeto Nai Asha, já cuidou de mais de 120 meninas que foram resgatadas. O projeto trabalha juntamente com o governo, desmanchando esquemas de tráfico humano. O Nai Asha recebe as meninas e as oferecem um cuidado holístico, as oferecem um amor incondicional, uma fundamento espiritual e psicológico. Eu apareci no Nai Asha como voluntária na área de cura da alma através de oficinas de dança. Sou psicopedagoga, com formação em licenciatura em dança e juntamente com a psicóloga da organização desenvolvemos uma estratégia de alívio para questões que aqueles adolescentes apresentavam. Uma vez na semana eu fazia um longo caminho de 20km da minha casa para o local onde o projeto hoje funciona. Durante essa jornada, eu ia pensando nas histórias de cada uma, e ficava me perguntando como eu poderia com tão pouco servir de afago para uma imensidão de dor causada por outro ser humano como eu. Sempre era uma luta existencial, esses 20km pareciam mais uma via sacra, não porque eu ia as ver, ou porque o trabalho seria difícil ou cansativo, mas pelo fato de que eu não poderia arrancar sua dor. Eu me perguntava porque eu não soube dessa realidade antes, onde eu estava com minha cabeça enfiada que eu nunca percebi que tráfico de pessoas é algo tão presente em nossas vidas? Eu estava determinada em ser uma resposta para essa questão social, por onde eu passava, comecei a enxergar o cenário e características de pessoas que possivelmente estavam sendo vítimas. Talvez neste exato momento da leitura, você esteja se perguntando, o que eu posso fazer então para ajudar, ou até mesmo, o que eu posso fazer para mudar essa questão! Longe de mim trazer para você um senso de inutilidade nessa vida, quero que você seja inspirado a ser uma resposta para essas questões.
Conheça o Naia Asha: http://www.naiasha.org/
Hoje eu sei de toda essa realidade que acabei de compartilhar com vocês, e sei que é assustador e te digo, a questão do tráfico humano é um crime hediondo. Depois que me informei sobre o assunto, eu não pude mais ficar em silêncio perante esse crime, eu estaria compactuando para que a indústria do tráfico se expandisse. Eu ouvi, eu vi, e hoje não posso me calar, eu sou uma testemunha ocular dos fatos, preciso testemunhar, dizer a verdade, somente a verdade!
Há várias possibilidades para que você se envolva contra o tráfico humano. São ações que não custam dinheiro, nem mobilidade. Você pode, por exemplo, se educar e buscar em várias plataformas digitais sobre informações relevantes, você pode compartilhar e curtir páginas (sérias) na internet que produzem conteúdo contra o tráfico humano ou você pode com poucos reais por mês colaborar com organizações que trabalham na linha de frente contra essa questão, inclusive quero te incentivar a participar do projeto Mahila EXPEDIÇÃO ONLINE À ÍNDIA e da nossa EXPEDIÇÃO FEMININA à ÍNDIA, oportunidades de conhecer mais sobre esta realidade e o trabalho do Nai Asha. Um dos principais pilares de nossa viagem é conhecer projetos sociais que estão fazendo a diferença, para que de alguma forma você possa contribuir para esta mudança social também. Por isso, destinamos parte dos lucros da nossa expedição online para o projeto Nai Asha.
Assista ao vídeo sobre nossa Expedição Feminina à Índia: