Por Filipe Mamede*
Eram ‘pontualmente’ oito e pouco da manhã (08 de janeiro) quando cheguei à sede do Parque Nacional da Serra dos Órgãos (Parnaso), em Petrópolis. De lá, parti – ao lado do guia Leonardo Andrade – para uma trilha de cerca de 30 quilômetros, atravessando montanhas até chegar à Teresópolis. O trajeto entre os dois municípios abriga paisagens de belezas indescritíveis.
Pelo menos oito horas (8 km) de intensa caminhada separam a portaria do parque do Abrigo Açu, uma choupana de madeira vizinha aos Castelos de Açu. Até chegar lá, porém, muitos passos foram dados, muitas gotas de suor foram derramadas e muitos fôlegos precisaram ser recobrados.
Além da geografia montanhosa, do terreno íngreme em sua grande maioria, uma mochila cargueira com mais de 10 kg, os meus próprios limites foram obstáculos. Joelhos, pés e braços foram testados a cada passo, a cada novo patamar alcançado. O tempo quente, embora facilitador do trajeto em parte, castigou o corpo com calor. Suei bicas.
Percebi em pouco tempo que o principal segredo para uma trilha como a Travessia Petrópolis-Teresópolis reside na paciência, na cadência, na parcimônia. Não adianta afobamento. A pressa aqui é mais do que nunca inimiga da perfeição. A atenção precisa existir literalmente em cada passo dado, em cada pedra escolhida para receber sua pisada, afinal, uma torção pode deixá-lo fora desse jogo, onde não vence quem chegar primeiro, mas quem souber aproveitar a majestade daquela cadeia de montanhas ao seu redor.
A trilha abriga verdadeiras pinturas: os famosos picos como o Dedo de Deus, Morro do Sino, os Portais de Hércules, os Três Picos, além da exuberância da flora de montanha, com suas bromélias, cactos e arbustos. A beleza do lugar é perene e suntuosa. As nuvens quase sempre são presenças constantes, o Sol está mais próximo e as estrelas brilham com luminosidade mais intensa.
O caminho é sinalizado por totens de madeira e pedras empilhadas. Além de orientar trilheiros e ser ponto de descanso, servem para estimular e deixar claro que o melhor ainda está por vir. Chegar ao “Graças a Deus”, por exemplo, foi de uma alegria imensa. A partir deste ponto, são mais 1.5 quilômetros até o nosso primeiro pernoite, onde o abrigueiro Rubens nos aguardava.
À noite, temos direito a um banho quente de cinco minutos. Mais do que suficiente para acalentar os músculos, estes, fustigados pela travessia. A dormida se faz num beliche com o auxílio de um saco de dormir. Não há “roupa de cama”. Todos os utensílios do abrigo são pontuais e práticos. Não há nada supérfluo.
Ao cair da noite, a cozinha comunitária é um espaço disputado pelos trilheiros. Afinal, depois de horas de trilha, a fome é grande e o alimento é mais do que necessário. Antes de dormir, dois dedos de prosa e nada de exageros. O corpo precisa descansar para mais uma etapa.
Na manhã seguinte, mais oito quilômetros precisam ser vencidos até o segundo abrigo, localizado a 900 metros da Pedra do Sino. Embora se diga que esta seja uma trilha mais “tranquila”, há -pelo menos – dois trechos técnicos que são encarados com o auxílio de cordas e mosquetão, e o trilheiro fica exposto: de um lado os paredões de pedra das montanhas, do outro, o desfiladeiro e possível encontro com Deus.
Elevador, Cavalinho e O coice do cavalo: devidamente vencidos com o auxílio do guia Leonardo e a boa sorte que a vida nos brinda em certos momentos. Já no segundo abrigo, o ponto alto da trilha é encenado por um pôr do sol sublime no topo da Pedra do Sino, ponto culminante da travessia, com seus 2275 metros de altitude. De lá, o olhar divisa paisagens como a Baía de Guanabara e municípios que se avizinham ao Parnaso. A Serra dos Órgãos é um lugar onde tempo e espaço se confundem. O sol reina e as montanhas são majestosas. Em uma palavra: inesquecível.