O Vagamundo: No fim da viagem está o horizonte

Olá viajantes! 

Hoje já estou no Velho Continente, mas como disse, não esqueci de vocês. E como em toda segunda terça-feira do mês, hoje é dia da coluna O Vagamundo por Antonino Condorelli. 

Na crônica deste segundo post de O Vagamundo, Condorelli conta sobre um episódio na Cuba de 1997, onde pela primeira vez sentiu o medo da morte de perto. 

As fotos, Antonino explica que foram feitas em câmera analógica e devem estar em algum baú empoeirado na casa de seus pais em Florença, na Itália. Conseguimos pelo menos uma. 

Façam uma incrível viagem!

Leia o segundo post de “O VAGAMUNDO”: No fim da viagem está o horizonte”.


No fim da viagem está o horizonte

Antonino Condorelli
condor_76@hotmail.com
@el_condor76

Complemente em O Condor Errante – Anotações de um viajante: Cuba, 1997 – Leia

A trilha sonora deste post é Al final de este viaje. Letra e música: Silvio Rodríguez. Ouça e assista:

Camino a la Comandancia de la Plata 1997: Sierra Maestra, Cuba, 1997
Camino a la Comandancia de la Plata 1997: Sierra Maestra, Cuba, 1997

Tenho sido quase sempre um viajante solitário, mais por necessidade do que por escolha. Minha primeira viagem de mochila fora da Europa, porém, a fiz aos vinte e um anos junto a um amigo, então colega na universidade. Às vezes ter alguém ao seu lado para compartilhar suas angústias faz uma diferença enorme. Daquela vez, porém, o medo ficou entalado em minha garganta, apesar de ter perto de mim um bom amigo que falava minha língua e uma família inteira que se esmerou em cuidados, atenções e preocupação. Eu mesmo me neguei a aceitar o medo, a dar-lhe um nome: tentei afugentá-lo, sufocá-lo, reprimi-lo, me recusei a enxergá-lo nos olhos… mas não consegui expulsá-lo das minhas entranhas, que – como sempre – falaram mais alto. Não consegui expulsá-lo porque me confrontou com o mais temido de meus fantasmas: o da morte… a minha… um pensamento com o qual, mesmo tantos anos depois, ainda não consigo lidar com serenidade, até o ponto que escrever, pronunciar ou pensar naquela palavra me desperta um leve, mas incontrolável calafrio. E uma das vezes em que mais me senti de cara com ela, mesmo que na ocasião me negasse a admiti-lo, foi numa província remota da maior ilha do Caribe, no igualmente remoto – nesta época de aceleração frenética da existência – final do século passado, mais exatamente em 1997.

Naquele ano fiz uma viagem de quase três meses por Cuba. Junto ao amigo que dividiu as agruras e as alegrias daquela experiência, percorri quase todas as quatorze províncias da Isla Grande de trem, ônibus e pau-de-arara (na época – hoje já não sei – o meio de transporte mais utilizado pelos cubanos e o mais barato), hospedando-me nas casas de amigos e amigas conhecidos por correspondência (sim, bem antes do Facebook e do Twitter, aliás antes mesmo de ter uma conta de e-mail e de começar a frequentar salas de bate-papo tinha amigos espalhados pelo mundo) ou em pousadas econômicas. Tratava-se de um reencontro: no ano anterior tinha estado na ilha de Fidel Castro integrando uma brigada internacional de trabalho voluntário, organizada pela Associação de Amizade Itália-Cuba, mas em um mês de estadia tinha convivido mais com outros italianos e com os espanhóis, portugueses e franceses das brigadas gêmeas do que com cubanos e, nas raras brechas na cortina ideológica que aquele ambiente tinha construído ao nosso redor para impedir que enxergássemos com nossos próprios olhos a vida do país, tinha entrevisto um universo muito mais rico, denso, problemático, complexo, multicolorido e intrigante daquele que queriam que percebêssemos.

Por isto, tinha dado uma fugida de alguns dias para uma província do interior enquanto meus colegas cortavam cana e colhiam café e tinha ficado em Havana uma semana a mais depois dos companheiros da brigada voltarem para a Europa, mas não me pareceu suficiente. Tinha sido o bastante para me desencantar completamente com o regime castrista, que antes denominava poeticamente de “A Revolução”, e para acabar com minhas antigas idealizações românticas de guerrilhas e ditaduras tropicais de esquerda. Mas queria mais: sentia a necessidade de mergulhar de cabeça na ilha, de vivê-la em suas múltiplas faces, de estar próximo de seu povo e partilhar do mesmo pão. No episódio que estou prestes a contar esse pão acabou quase me matando, mas foi justamente a convivência íntima com o povo cubano e a aceitação plena de sua forma de viver que me salvaram.

Estávamos rodando pela ilha há mais de um mês e naquele dia saímos de Santiago, a segunda maior cidade do país, que ostenta um rico – tão sugestivo quanto mal-cuidado – patrimônio histórico colonial e uns instigantes miscigenação cultural e sincretismo religioso, característica de toda a parte oriental de Cuba, que a torna um efervescente cadinho de cores, cultos, visões de mundo e estilos de vida. Na noite anterior tínhamos voltado exaustos de uma excursão ao interior da província; meu amigo só queria tomar um banho – que iria ser de cuia, pois naquela época nas cidades cubanas faltava água até quatorze horas por dia – e dormir, mas eu estava faminto e fiz questão de comer alguma coisa no primeiro restaurante popular – isto é, para cubanos, pois havia uma divisão bem marcada entre os estabelecimentos em dólares, frequentados quase exclusivamente por turistas estrangeiros, e os em pesos, destinados aos nativos – que encontramos aberto. Ainda lembro que o único que ofereciam era um picadillo, uma sorte de sarapatel feito com miúdos de não sei qual animal, nem me importei em perguntar. Na manhã seguinte acordamos cedo porque, supostamente, nosso ônibus sairia às seis da manhã, embora – já estávamos acostumados a isso – acabou deixando Santiago por volta das dez, pois não tinha chegado ainda na hora prevista para a saída. Nosso destino era a província de Bayamo, no Sudeste de Cuba, a mais pobre do país, e concretamente a pequena cidade de Manzanillo, onde iria reencontrar uma velha amiga por correspondência e sua família, que já tinha conhecido pessoalmente na minha viagem do ano anterior.

Na primeira parada que o ônibus fez para que os passageiros fossem ao banheiro e lanchassem, comecei a sentir certo mal-estar no estômago e, improvisadamente, uma correnteza violenta empurrou a comida mal-digerida do dia anterior para minha garganta e vomitei copiosamente. No momento me senti aliviado e achei que não iria acontecer mais nada, mas foi só chegar a Bayamo – o fim da linha do nosso ônibus – que câimbras violentas começaram a massacrar meu estômago e uma dor de cabeça insuportável me deixou zonzo. O calor tórrido e úmido da região não contribuía para melhorar a situação. Como se não bastasse, o único transporte que havia para Manzanillo era o pau-de-arara e foi nessas condições que enfrentei uma viagem de uma hora e meia sentado no chão da parte traseira de um caminhão – pois os dois bancos laterais estavam lotados de gente – espremido entre outros corpos suados.

A casa da família que nos hospedou em Manzanillo era um barraco de telhado baixo extremamente quente com os vãos separados por cortinas puídas, o interior despojado, os poucos móveis carcomidos pelo tempo e a umidade, fogão a lenha na improvisada cozinha e, o que era dramático para mim no estado em que cheguei, sem água encanada no banheiro. Nada disso era novidade para meu amigo e eu, pois quase todas as residências em que tínhamos dormido até aquele momento eram daquele jeito, apesar de algumas serem de docentes universitários ou, como em Manzanillo, de uma médica recém formada. Contrariamente à maioria dos europeus que visitam a ilha e, por ventura, chegam a conhecer mais de perto a realidade de seus habitantes, aquilo não me indignava nem espantava, aliás me deixava empolgado, pois acreditava – e continuo acreditando – que a simplicidade, a sobriedade deveriam ser atitudes tatuadas nas mentes e nos estilos de vida de todas as classes sociais. (A maioria dos cubanos que conheci não pensava da mesma forma e não gostava de viver daquele jeito, o que é compreensível: no caso deles, não se tratava de uma escolha voluntária fruto de uma tomada de consciência, mas de uma imposição goela abaixo por parte de um poder incontestável). No entanto, quando cheguei a Manzanillo senti falta – pela primeira vez desde que me encontrava em Cuba – de condições de alojamento mais confortáveis. Uma violenta disenteria se apoderou de mim no instante em que pisei na casa dos nossos anfitriões e penei para conseguir esvaziar completamente o vaso sanitário com baldes enchidos por meio de uma bomba situada no quintal da casa, a única fonte de água da residência. Estava ardendo, tomei um banho de cuia gelado e logo depois medi a temperatura: quarenta graus. O diagnóstico da minha amiga médica não demorou: me encontrava, segundo ela, com uma virulenta infecção intestinal de origem bacteriana.

Em 1997, Cuba se encontrava em pleno período especial: uma época de enormes privações que o país sofreu após a queda da ex-União Soviética, que sustentava sua frágil economia. Além disso, Manzanillo era uma cidadezinha do interior da província mais pobre e abandonada da ilha. Nem o posto de saúde mais próximo, nem o hospital onde meus amigos me levaram dispunham de antibióticos para fazer frente àquela emergência. Ao retornar para casa, uma vizinha dos nossos anfitriões teve uma idéia: “Só nos resta o sobao”, disse. Os rostos de todos os presentes, com exceção de mim e do meu amigo, se iluminaram. “Aqui – acrescentou dirigindo-se a mim – quando alguém tem problemas de estômago a solução é o sobao”. Foram então chamar um ancião negro de aspecto risonho, mas imutável, que não pronunciou uma única palavra enquanto permaneceu em nossa presença. O apresentaram como um mestre da medicina popular e nos explicaram que a prática comum em seu meio para aquele tipo de doenças era uma determinada massagem nos tornozelos, apelidada sobao, realizada por esses curandeiros reconhecidos pelo povo, mas não pelas autoridades médicas e políticas do país.

Desesperado, deixei que o curandeiro fizesse a massagem em meus tornozelos, apesar de não cultivar muitas expectativas sobre os efeitos daquela “cura” posto que, em minha maneira – que então era bastante limitada – de ver o mundo, não conseguia enxergar conexão alguma entre aquela massagem e a bactéria que estava afetando meu organismo. Enquanto o velho curandeiro fazia seu trabalho, escutava os comentários dos espectadores ao meu lado: “Ainda bem que ele é de confiança, pois dizem que se não fizer exatamente como é para ser feito o sobao mata”; “Pode crer, conheço várias pessoas que morreram por causa de charlatães que se fizeram passar por curandeiros experientes”; “Pois é, além do mais o paciente tem mesmo é que acreditar: se não tiver fé, de nada adianta”… Tinha câimbras violentas arrebentando meu estômago, náusea, dor de cabeça e estava ardendo de febre; estava sentado numa cadeira de balanço com as pernas para cima enquanto um senhor afro-cubano desconhecido massageava sei lá de que maneira os meus tornozelos e várias pessoas ao meu redor cochichavam de forma plenamente audível que aquilo que estava sendo feito comigo era uma prática perigosa que de não ser bem realizada podia matar… Devo confessar que até aquele momento nunca tinha experienciado de forma tão vívida, tão arrebatadora a sensação de que a minha hora estava próxima e de que, muito provavelmente, estava chegando ao fim da linha. Enquanto o sobao acontecia me ocorreram os versos de Al final de este viaje, uma das minhas músicas favoritas do cantor e compositor cubano Silvio Rodríguez, cujas melodias impregnaram grande parte da minha experiência na Isla Grande.

A massagem durou uma meia hora e, ao terminar, o velho curandeiro fez um sinal da cruz com as mãos à altura do meu estômago. Sem dizer mais nada, cumprimentou os demais com um gesto e foi-se embora. Olhei para meu amigo, que estava tão visivelmente preocupado e angustiado quanto eu. Não confessei para ele, nem para ninguém o que estava pensando e o que temia: aliás, tentava afugentar aqueles pensamentos da minha cabeça e me auto-convencer – sem muito sucesso – de que tudo iria dar certo.

Ao acordar no dia seguinte, por minha enorme e imensamente grata surpresa, estava completamente sem febre e quase sem mais cólicas. Poucas horas depois, estava em plena saúde. Não sei, realmente, o que aconteceu comigo naquele dia. Mas aquela experiência foi um duro golpe a qualquer forma de arrogância e me proporcionou um vislumbre, ainda um tanto indefinido, de uma consciência que anos mais tarde adquirira uma forma clara em minha visão de mundo. Viajando, aprendi que existem muitas maneiras de entender os fenômenos e de interferir neles e todas, desde que beneficiem o homem e os demais seres ou não os prejudiquem, são válidas e legítimas.


Um pequeno itinerário de Milão (ITA)

Olá viajantes!

Já disse aqui mais de uma vez o quanto a repercussão do blog, que deveria ser apenas um trabalho da minha pós-graduação, tem me deixado surpresa e, claro, orgulhosa. Além disso, ainda me admiro com o alcance e o poder da internet, apesar de sempre ter trabalhado usando essa ferramenta. Graças a esse alcance, dias desses recebi o contato de uma brasileira, moradora da Itália e também blogueira de viagens que havia descoberto o Compartilhe Viagens, trocamos alguns emails e hoje estamos iniciando uma parceria que promete ser muito interessante, uma troca de textos entre o CV e o blog Keviagem, assinado por Damares Lombardo.

Damares está mergulhada no mundo das viagens há 25 anos. Brasileira há 21 anos radicada na Itália, dá consultoria de viagens em Milão, onde reside.

O blog Keviagem traz textos sobre viagens no mundo inteiro, com enfoque na Itália. E assim como o CV, também abre espaço para as pessoas que queiram contribuir com suas experiências e dicas.

Para iniciar essa parceria, Damares nos enviou um roteiro para se fazer em Milão, publicado originalmente no www.keviagem.com. O texto está bem didático, ensinando passo a passo como fazer o itinerário.

Buon viaggio!

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Caminhante, são tuas pegadas o caminho, e nada mais

condor_76@hotmail.com
@el_condor76

A trilha sonora deste post é Cantares – Letra: Joan Manuel Serrat e Antonio Machado; Música e interpretação: Joan Manuel Serrat.

Sou europeu e fui adotado pela América do Sul. Ao longo de mais de trinta anos de existência, vivi em três países de diferentes continentes e passei longos períodos em outros dois. Sempre que pude, embora não tanto quanto teria gostado, devido a uma situação financeira sempre instável, fiz longas viagens de mochila pelo mundo. Sempre me senti atraído pelo encontro com o diferente; sempre procurei o deslumbramento, a vertigem, centelhas de significado para a minha existência no contato com outros lugares, outros povos, outras paisagens, no mergulho – embora por períodos breves – em ambientes não-urbanos. Sempre senti um impulso irresistível para o conhecimento e a mestiçagem com outros estilos de vida, com outras maneiras de pensar o mundo e de vivê-lo. Nunca me senti enraizado em lugar algum, sentindo à flor da pele aquela sensação de estrangereidade que Claude Lévi-Strauss, em Tristes Trópicos, assumiu como sua condição permanente, um sentimento de estranhamento constante que o fazia sentir-se estrangeiro em qualquer lugar, inclusive em sua cultura de origem.

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Roma: uma viagem à cidade eterna

Olá viajantes!

Hoje vamos fazer uma viagem à cidade que respira história e cultura. O berço da civilização ocidental, Roma, é um dos destinos mais desejados no mundo, por seu patrimônio histórico, cultural, religioso e gastronômico.

Quem nos leva a esse passeio pela capital italiana é a engenheira eletricista, formada pela UFRN, mestre  em Planejamento Energético pela Unicamp e  servidora pública, especialista em regulação da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, Alexandra Sales, natalense, residente em Brasília (DF).

Com o casamento perfeito do texto com as fotos, Alexandra nos leva a sonhar com uma visita à Cidade Eterna e de quebra ao Vaticano, sede da Igreja Católica.
Buon viaggio!

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Veneza: uma bela história de uma cidade fascinante

Olá viajantes!
Veneza
Veneza

Na semana passada tivemos muitos posts sobre cidades brasileiras, belíssimas, diga-se de passagem. Então, esta semana vamos nos voltar um pouco aos destinos internacionais. E não podíamos começar com cidade mais linda: a encantadora Veneza, na Itália!

O texto foi escrito pela jornalista Amanda Faia, editora chefe do portal Pop Line, e blogueira do Operação Casório. Ela tem uma história linda e emocionante com a cidade e conta aqui para gente. Uma honra para nós!
Buon viaggio!