Quando pensamos em uma ilha, logo nos vem à mente uma pequena porção de areia branca com coqueiros, cercada por água cristalina. Em São Blás, no mar do Caribe do Panamá, existe não apenas uma ilha desta, tal qual imaginamos, mas 365 delas. Sim, uma para cada dia do ano. O arquipélago torna-se ainda mais especial por pertencer ao povo indígena Kuna Yala, que tem história, cultura, forma de se vestir, de viver e de se organizar únicas.

A área onde as ilhas de San Blás estão começa logo na fronteira com a Colômbia, que é fechada para acesso por via terrestre, pois é uma área de floresta densa. Aproveitamos para realizar a travessia entre os dois países fazendo um tour de 4 dias pelas ilhas, passando por paisagens deslumbrantes e vivendo experiências inesquecíveis, que compartilho neste post.

O arquipélago de San Blás tem 365 ilhas
O arquipélago de San Blás tem 365 ilhas

Os Kunas e o arquipélago de San Blás

O povo Kuna Yala, na verdade, teve origem na Colômbia e fugiu do país, devido à perseguição do governo e também por causa da malária no século 18, em direção ao Panamá. Em 1925, depois de realizarem uma revolução, conseguiram autonomia sobre a comarca chamada de Guna Yala, na qual está o arquipélago de San Blás.

Vilarejo Kuna na Isla Pino
Vilarejo Kuna na Isla Pino

Nas ilhas vivem 150 mil kunas, divididos em 50 comunidades. O interessante é que na tradição Kuna, as ilhas pertencem às mulheres. Então, cada ilha tem uma ou mais donas. Quando há um casamento, o noivo ganha o sobrenome da mulher e vai morar na casa dela.

Os Kunas, aliás, têm uma cultura muito democrática, onde todos têm opinião e onde não existe discriminação.

Apesar das mulheres serem consideradas “donas das terras”, os homens têm grande participação na organização da sociedade Kuna e são, em geral, os representantes políticos. Cada comunidade tem seu sila, um tipo de cacique da tribo, em geral o mais velho da vila. E os kunas têm direito a eleger um sila para ocupar uma vaga no parlamento panamenho.

Mulher Kuna com traje tradicional
Mulher Kuna com traje tradicional

As mulheres podem optar se querem ou não ser tradicionais, o que significa vestir-se com as mola, que são roupas muito coloridas, com bordados de animais e outras referências da natureza; usar cabelo curto; pulseiras de miçanga nos braços e pernas e piercing no nariz.

Os Kunas, em geral, são muito simpáticos e sorridentes. Como disse nosso guia, eles começam a rir desde que abrem os olhos. Mas são um pouco tímidos e as mulheres são especialmente fechadas com relação aos turistas (deve ser porque todos querem fotos!). As crianças são especialmente fofas (mais embaixo conto minha experiência com elas! <3)

Nas vilas, a maioria das casas é de madeira e palha, com poucos móveis. Os kunas dormem em rede e só há poucos anos tiveram acesso a energia elétrica. O governo panamenho instalou painéis de energia solar em todas as ilhas.

A chegada da energia e também o turismo têm promovido uma mudança rápida nos vilarejos Kuna. Mas visitar as ilhas, ainda é como se tivesse voltando ao passado.

A religião Kuna é baseada na natureza. Para eles, tudo vem da natureza e deve voltar à natureza. Por causa desse entendimento, os Kunas tinham o hábito de jogar o lixo de volta para o mar, o que ainda existe, mas vem mudando aos poucos.

Por influência dos colonizadores, os Kunas também incorporaram Jesus à sua religião. Mas continuam acreditando em uma única vida e para eles não tem céu ou inferno, mas existem bons e maus espíritos.

Os Kunas têm língua própria e ainda são poucos os que falam espanhol, na maioria crianças e homens que têm contato com turistas.

Economicamente, as comunidades vivem da exportação de lagosta e também fazem trocas de cocos por outros produtos a serem vendidos aos turistas. Eles também ganham dinheiro com a hospedagem e venda de artesanato.

O tour

Nós realizamos o tour para San Blás, saindo da Colômbia, com a San Blas Adventures, que é a principal empresa que faz essa rota.

A sede da empresa fica em Capurganá, mas o passeio começa em Sapzurro (saiba como chegar em Capurganá e Sapzurro). São três noites e quatro dias de tour, que é feito em lancha. Nas três noites dormimos nas ilhas e, por dia, só passávamos no máximo duas horas na lancha, dividindo nos quatro dias o trajeto de 8h que levaria de barco de Sapzurro a Carti (cidade que dá acesso de carro à Cidade do Panamá).

O transporte, hospedagem e todas as refeições (exceto bebidas) estão incluídas no pacote de 375 USD por pessoa. De extra é preciso pagar a taxa do parque nacional (22 USD) e o trajeto de carro de Carti à Cidade do Panamá (30 USD).

É importante fazer a reserva com antecedência, pois o tour é bastante procurado. A empresa também faz o trajeto oposto, Panamá – Colômbia, mas dizem que de Colômbia a Panamá é mais bonito, pois a beleza das ilhas, nesse sentido, é progressiva.

Um dia antes

No dia que antecede a saída do tour, os guias reúnem o grupo para dar algumas orientações sobre o passeio.

Algumas dicas importantes são:

– Ter dinheiro em espécie (USD, que é a moeda usada no Panamá) e, de preferência, notas trocadas;

– Levar bastante água e também sua bebida, pois nas ilhas são vendidas, mas o preço é mais alto;

– Embalar todas as suas coisas em sacos plásticos (de lixo mesmo), as coisas dentro da mochila e também a própria mochila, pois nas lanchas pode molhar bastante;

– Organizar todas as coisas que você irá usar em uma mochila de ataque, pois a mochila maior ficará guardada durante os dias de tour. Na mochila de ataque também colocar seus equipamentos eletrônicos;

– Não esquecer de protetor solar e repelente;

– Na hora de escolher o lugar no barco, o mais confortável é o meio. Na frente, o impacto é forte, o que pode ser ruim para quem tem dor de coluna, e atrás, molha muito;

– A passagem pela imigração colombiana para carimbar a saída tem que ser feita obrigatoriamente um dia ANTES. Por isso, leve seu passaporte para a reunião e passe antes ou depois no posto da imigração colombiana, que fica em Capurganá.

Depois da reunião, o grupo segue de Capurganá para Sapzurro, onde todos passam a noite para seguir no outro dia pela manhã cedo (Esta diária não está incluída, pois o passeio só começa no dia seguinte. E o custo dela em quarto compartilhado no hostel sugerido é de 15.000 COP).

Dia 1

O passeio, em si, começa às 7h30 do dia seguinte à reunião, em Sapzurro, onde nos organizamos em duas lanchas, pois estávamos em um grupo de 25 pessoas.

A primeira parada é feita 25 minutos depois, em Porto Obaldia, onde fica o posto de imigração do Panamá. A imigração panamenha é bem rígida e TODAS as mochilas são criteriosamente revistadas, especialmente a procura de drogas. Eles também têm cães farejadores para casos de dúvida e os barcos também são revistados.

Como estávamos em um grupo grande e a empresa já é conhecida, não tivemos que responder perguntas. Mas algumas pessoas que passam por esse posto por conta própria dizem que eles podem exigir a passagem de saída do Panamá, a quantia mínima de 500 dólares e perguntar como você chegará até Carti. Para nós, não foi feita nenhuma dessas perguntas ou exigências.

Depois da imigração, que demora entre 1h30 a 2h, seguimos para a primeira ilha.

Paramos na Isla Pino. O dia estava muito nublado e choveu por algumas horas. Por isso, depois do almoço e de algum tempo na praia, seguimos para a vila, onde nosso guia explicou melhor sobre a história e costume dos kunas.

Praia na Isla Pino
Praia na Isla Pino

A ilha é relativamente grande e há bastante moradores. Visitamos os lugares mais importantes da ilha, que são o “Parlamento”, local onde os Kunas realizam suas reuniões mais importantes, e onde fizemos nossas refeições; e a casa da Sisha, a bebida tradicional kuna feita com milho e que eles bebem em celebrações especiais. Nós ficamos em uma rede na casa da Sisha, onde iríamos passar à noite.

Nosso guia Marco, explicando sobre a cultura dos Kuna
Nosso guia Marco, explicando sobre a cultura dos Kuna

Quando a chuva passou a tarde, o grupo voltou à praia. Eu e Fred decidimos ficar e fazer um passeio pela vila. Convidei três garotinhos para serem meus pequenos guias. Depois de um tempo com eles começaram a vir outras crianças.

Meus mini guias Kuna
Meus mini guias Kuna

Fred foi tirar um cochilo e outra turista (belga) do nosso grupo se juntou a mim para brincar com as crianças, aprender palavras Kunas e ensinar palavras e músicas dos nossos idiomas a elas. Quando me dei conta já estávamos brincando com todas as crianças da vila (pelo menos umas 25) de várias brincadeiras, a tarde toda. Todos chamavam o meu nome, queriam abraçar, brincar junto. Um momento lindo! <3

Brincadeira com as crianças do vilarejo
Brincadeira com as crianças do vilarejo
Com minha xará fofinha, Carla
Com minha xará fofinha, Carla, que não desgrudava

No final da tarde, quando o restante do grupo voltou e a brincadeira terminou, um guia local nos mostrou um pouco mais da vila e explicou mais alguns detalhes sobre os costumes kunas.

Mulheres kunas tradicionais e moderna
Mulheres kunas tradicionais e moderna

À noite, jantamos no Parlamento.

Ah! Um detalhe engraçado, nessa ilha, os banheiros são muito rústicos. Basicamente duas palhoças, uma para sanitário, que tem um buraco onde os dejetos caem direto no mar; e outra para banho, onde estão as cacimbas para tomarmos banho de caneca ou “cuia”, como dizemos no Nordeste! hehe

Os banheiros na Isla Pino
Os banheiros na Isla Pino

Mas há energia e é possível carregar os equipamentos eletrônicos no Parlamento.

Uma dica: para dormir, como só são oferecidas as redes, nada de lençol, é bom levar uma calça comprida e moleton para evitar o frio e picadas de mosquitos.

Nossas redes na casa da Sisha
Nossas redes na casa da Sisha

Dia 2

O sino toca às 6h para acordar a vila. As crianças vão para a escola e os adultos vão cuidar dos seus afazeres. Quando levantei, algumas pessoas vieram me dizer que as crianças no caminho da escola estavam perguntando por mim (<3). Tomamos café da manhã por volta das 7h30 e às 8h30 pegamos a lancha para a próxima ilha.

Antes algumas turistas compraram artesanatos das mulheres kunas, especialmente os tecidos bordados, que custam entre 10 e 50 dólares.

Quando estava indo embora, ouvi alguém gritando meu nome, era uma das meninas kunas, Herly, que veio se despedir de mim com um abraço.

Herly veio despedir-se de mim! <3
Herly veio despedir-se de mim! <3

A segunda ilha em que ficamos tinha uma área privativa só para nós, com chalés de madeira e palha, com cama, e banheiros privativos. Dividimos um chalé com outro casal.

Chalés da segunda ilha
Chalés da segunda ilha

Nesse dia passamos a maior parte do tempo nessa ilha, que tem praticamente uma piscina natural, com água super cristalina.

Nossa piscina natural
Nossa piscina natural

Os guias também montaram rede de voley e boa parte do grupo ficou jogando.

Partidinha de voley
Partidinha de voley

Depois do almoço, fizemos um passeio para uma ilha próxima. Chamada de Isla de dos Monos, lá tem dois macaquinhos aranhas, que são super carentes e adoram receber carinho dos turistas. Os Kunas não são muito fãs de macacos, mas esses foram resgatados pela família desta ilha.

Ilha de los Monos
Ilha de los Monos

Essa ilha é muito linda, com uma pequena porção de areia, alguns coqueiros, uma casinha e água super cristalina também. O tempo ainda continuava nublado, mas a chuva havia dado uma trégua.

Fred brincando com um dos macaquinhos da ilha
Fred brincando com um dos macaquinhos da ilha

À noite, depois do jantar, os Kunas donos da ilha colocam música e tem até jogo de luzes para os turistas fazerem a festa. Também tem serviço de bar, com cervejas e outras bebidas.

Dia 3

Este é o dia das paisagens mais impressionantes. O trecho de barco também é o maior e mais turbulento, mas o nosso foi tranquilo, dizem que em época de chuvas, o mar fica mais calmo.

As pequenas ilhas paradisíacas começam a aparecer aos montes, o mar fica ainda mais calmo.

A primeira parada é feita na Isla Pelicano, onde passamos a manhã e almoçamos.

Isla Pelicano
Isla Pelicano

A grande atração desta ilha, além de sua beleza, são as estrelas do mar. São muitas, enormes e de cor alaranjada.

Isla Pelicano
Isla Pelicano

Em todas as ilhas os guias nos oferecem máscaras para snorkell, mas essa ilha é uma das melhores para usar.

Snorkelling na Isla Pelicano
Snorkelling na Isla Pelicano
Tem estrelas do mar aos montes na Isla Pelicano
Tem estrelas do mar aos montes na Isla Pelicano

O Grand Finale fica por conta da ilha Coco Bandera, para onde vamos na tarde do terceiro dia e ficamos quase 24h.

Essa ilha prefiro não descrever, só mostrar essa foto:

Coco Bandera
Coco Bandera

A Coco Bandera também é ótima para fazer snorkelling. O pessoal conseguiu ver arraias, lulas, nós vimos lagostas, além de muitos corais e peixes. Para quem tem fôlego tem até um barco naufragado há alguns metros.

Preparativos para acender a fogueira
Preparativos para acender a fogueiraA

À tarde, provamos a sisha. E para última noite, o jantar é super especial: duas enormes bandejas de lagosta que 25 pessoas não deram conta de terminar. Também teve fogueira e marshmallows. 🙂

Artesanato Kuna
Artesanato Kuna

E ainda conseguimos ver plânctons luminosos!

Nessa ilha também dormimos em redes em palhoças e os banheiros são na versão rústica.

Dia 4

O dia mais triste: a despedida do paraíso. 🙁 Mas, pelo menos, pudemos aproveitá-lo até às 14h, quando seguimos de lancha para Carti.

Antes de sair, vi ainda dois golfinhos saltitando ao redor da ilha, bem próximo de onde estava tomando banho.

Bem aí atrás de mim, tinham golfinhos saltitando
Bem aí atrás de mim, tinham golfinhos saltitando

Em Carti, alguns motoristas já nos esperam para nos levar até Cidade do Panamá. Os carros são 4 X 4, confortáveis, mas a viagem é longa, cerca de 3h, por uma estrada de curvas muito sinuosas, cercada por floresta.

Mas tive ainda mais sorte, sentei no banco da frente e consegui ver um tucano!

Chegamos em Cidade do Panamá no final da tarde. A maior parte do grupo fica no hotel sugerido pela San Blas Adventures, mas quem fez reserva em outro lugar, o carro também deixa onde for necessário.

Na quarta noite, o grupo se despede com um churrasco no hostel (também a parte).

O nosso grupo foi muito legal, com gente de todas as idades e várias nacionalidades e ninguém criou nenhum problema. Os guias foram ótimos. Fomos acompanhados do italiano Marco e da espanhola Ana, que além de muito legais, conduziram tudo muito bem. Além deles, também nos acompanham Kunas, que compõem a tripulação das lanchas.

As refeições estavam sempre muito boas e o legal é que eles sempre têm opções para vegetarianos, que só precisam informar antes.

Existem outras formas de visitar San Blas. Vários tours saem de Cidade do Panamá, mas em geral com apenas uma ou duas noites.

Da Colômbia, alguns veleiros saem de Cartagena. Mas esse não recomendo. Duas amigas colombianas fizeram e disseram que foi a pior experiência da vida, pois são dois dias inteiros de mar aberto, sem paradas em ilhas, e elas passaram muito mal. Por causa disso, quase que desistíamos da travessia Colômbia – Panamá, via San Blás, até descobrir esse tour saindo de Sapzurro.

Como disse, foram dias memoráveis! Com certeza, um dos melhores momentos do #DoisnaAmérica.

Coco Bandera
Coco Bandera

E depois de San Blás está difícil encontrar outras praias para conquistar o nosso título da #praiaperfeita.

Nuedi (obrigada) ao povo Kuna por nos permitir desfrutar desse paraíso!

Serviço para quem quiser fazer reserva:

San Blas Adventure

http://sanblasadventures.com/

contact@sanblasadventures.com

Panama: +507 6271-5128
Colombia: + 57 310 860 1094


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