Quando a gente é criança, a gente sempre se pergunta de onde vêm as coisas ou como são feitas. Mas depois que nos tornamos adultos, parece que nós ligamos o piloto automático e não nos preocupamos muito em saber se aquela roupa baratinha que compramos pela internet foi costurada por trabalhadores em condições análogas a escravidão na Ásia ou sobre todo o trabalho que alguém ou muitas pessoas tiveram para um vegetal chegar à nossa mesa e a gente simplesmente decidir que não tá afim de comer e jogá-lo fora no lixo. Essas são situações que, normalmente, não temos tempo para parar e refletir em nosso corrido dia a dia. Eu, por exemplo, nunca tinha parado para pensar sobre todo o risco, trabalho e sofrimento que alguém pode passar para que eu use três delicados anéis em minhas mãos. Não até estar me esforçando para puxar o pouco de ar que tinha para dividir com outras oito pessoas em um apertado buraco em uma mina de prata em Potosí, na Bolívia.

Mina de prata no Cerro Rico, Potosí
Mina de prata no Cerro Rico, Potosí

O tour das minas de prata é uma das principais atrações turísticas da cidade de Potosí, uma das cidades mais altas do Mundo, localizada a a 3 967 metros de altitude. Esse não é um daqueles passeios para relaxar, se divertir ou em que você vai terminar e dizer “Uau, que legal”. Não, de forma alguma. É um passeio que envolve risco e que irá lhe mostrar a dura realidade dos mineiros. Mas eu viajo, especialmente, para aprender, refletir, conhecer outras realidades e crescer pessoalmente. Por isso, topei fazer o tour.

Cerro Rico
Cerro Rico
Nosso guia explicando como se monta uma dinamite
Nosso guia explicando como se monta uma dinamite
Em Potosí, dinamite e álcool 96% são vendido no mercadinho
Em Potosí, dinamite e álcool 96% são vendido no mercadinho

Existem várias agências na cidade que oferecem o passeio e os preços podem variar de 80 bolivianos a 150, por isso, é importante pesquisar. O passeio é guiado por ex-mineiros. E antes de subir para mina é feita uma parada para comprar “regalos” para os mineiros, que podem ser uma cachaça 96%, um suco para misturar, folhas de coca e há quem compre até dinamite para assistir a uma explosão na mina (Não façam isso, pelo amor de Deus). Sim, em Potosí dinamites são vendidas em mini mercados, sem a menor burocracia. Na compra dos regalos, você pode gastar mais uns 25 bolivianos e em alguns tours já estão incluídos, por isso, alguns são mais caros. O tour também inclui roupas apropriadas para entrar na mina, botas, capacete e lanterna.

Chegando na mina de prata
Chegando na mina de prata
Eu, toda vestida de mineira, na entrada da mina
Eu, toda vestida de mineira, na entrada da mina

É importante destacar que quem tem problemas de asma e claustrofobia não devem fazer esse tour. Essa pergunta só nos foi feita pelo guia na entrada da mina! Para quem tem problemas com o soroche, o passeio também pode ser complicado, pois a mina fica no Cerro Rico, que está ainda mais alto do que a cidade, a 4.700 mil metros de altitude.

Na entrada da mina, cumprimentando El Tio
Na entrada da mina, cumprimentando El Tio

No começo, apesar da escuridão e da entrada apertada, o passeio começa tranquilo, o guia nos conta sobre a história das minas de Potosí, que funcionam há mais de 500 anos e que já foi a mais importante mina de prata do Mundo, sobre as tradições dos mineiros, crenças e os deuses, como a Pachamama e El Tío, a quem fazemos uma saudação com a tal cachaça 96%.

Nos obstáculos da mina
Por dentro da mina
Fred descendo as escadas de costas
Fred descendo as escadas de costas

Depois disso, as coisas começam a ficar mais difíceis, o ar mais rarefeito, a mina mais escura, a poeira em maior quantidade e os caminhos se tornam mais difíceis. Entra em um buraco, sai em outro, desce escada de costas. Tudo para nos mostrar as dificuldades que enfrentam os mineiros. Depois de quase uma hora caminhando dentro da trilha e depois de mil pensamentos de “Meus Deus, aonde fui me meter?!”, finalmente encontramos os mineiros trabalhando em um dos buracos, um espaço minúsculo, completamente escuro, com muito pouco ar (não há tubos de oxigênio na mina. O ar é o que vem das saídas), em condições completamente insalubres. Cumprimentamos eles, entregamos os “regalos”. Fred, o outro brasileiro que estava com a gente e o guia, tomam um pouco do álcool 96% com suco junto com eles, na tampinha e mascam folha de coca. Eu só consigo pensar em sair logo dali. Mas consigo fazer algumas perguntas a um dos mineiros, que se mostra mais solícito. Os mineiros se comunicam em quéchua e falam mal espanhol.

Mineiros trabalhando no Cerro Rico
Mineiros trabalhando no Cerro Rico
Mineiro com quem conversei
Mineiro com quem conversei
As condições de trabalho são completamente insalubres
As condições de trabalho são completamente insalubres

Perguntei a quanto tempo ele trabalhava ali, ele me respondeu que 5 anos. Em geral os mineiros conseguem trabalhar por períodos curtos. Perguntei se tinha filhos, ele disse que dois, um casal. Questionei se ele queria que o filho dele trabalhasse na mina um dia. Ele respondeu que não, de uma forma enfática, como quem diz: de jeito nenhum!

Na saída da mina, Fred ajudando a colocar o vagão nos trilhos
Na saída da mina, Fred ajudando a colocar o vagão nos trilhos

Em uma boa semana, em que encontram prata de boa qualidade, os mineiros conseguem ganhar em torno de R$ 500. Mas também podem não ganhar nada. Pois eles funcionam como uma cooperativa e não têm salários fixos. Só ganham quando conseguem vender a prata.

Nos despedimos, desejamos sorte e que eles consigam ganhar dinheiro o suficiente para largar logo aquela vida.

O retorno é feito por um caminho bem mais fácil, em linha reta, seguindo os trilhos dos vagões que tiram a prata da mina. Ao ver a luz no fim do túnel, literalmente, senti o alívio do significado da expressão. Já na saída, um dos vagões levados por um dos mineiros descarrilhou. Fred e o outro brasileiro ajudaram por quase 20 minutos a colocar de volta nos trilhos.

A poeira e o cheiro da mina ficaram em nossos corpos por quase 4 dias, mesmo depois de muitos banhos. Mas o pensamento na vida daqueles mineiros, ainda não saiu da minha cabeça.

Mineiros retirando a prata da mina
Mineiros retirando a prata da mina

Casa Nacional de la Moneda

Casa Nacional de la Moneda
Casa Nacional de la Moneda

Para a visita às minas de Potosí ficar completa, vale a pena visitar a Casa Nacional de la Moneda, o principal museu da cidade, onde em um tour guiado é possível conhecer toda a história da prata de Potosí, que já ao longo da história chegou a ter uma população maior do que a de Londres, e ser uma das principais fabricantes de moeda do Mundo. É por causa de Potosí, por exemplo, que este $ é o símbolo mundial do dinheiro.

As visitas guiadas têm 2h de duração.

Horários: Terça a sábado, das 9h às 12h30, com entrada até 10h30. E das 14h30 às 18h30, com entrada até às 16h30.

Domingo, das 9h às 12h, com entrada até às 10h30.

Os tours são em espanhol, inglês ou francês.

Entrada: 40 bolivianos

Direito de fotografia custa 20 bolivianos.


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