Olá viajantes!

Há muitos motivos para viajar. Há pessoas que viajam para fazer turismo pura e simplesmente, a trabalho, para fazer compras, há pessoas que estão em busca de crescimento espiritual ou pessoal. São muitos os motivos, mas todas as viagens têm algo em comum: levam ao aprendizado.

Hoje trago para vocês, um post diferente do que vocês estão acostumados a ler no blog, não é nenhum roteiro, ou textos com dicas, mas um belíssimo texto reflexivo da jornalista Glácia Marillac sobre a sua experiência ao fazer a trilha Inca no Peru.

Para quem não a conhece e eu ainda a conheço pouco, mas de cara já percebe-se que Glácia Marillac é uma pessoa de um coração lindo, com uma grande preocupação com o social e o espiritual, uma “alma boa” como se diz. Mas isso, vocês vão poder sentir no texto dela, que aliás, está dividido em parte I e II e foi originalmente publicado em sua coluna Pé no Mundo no site Eu Cuido da Minha Cidade.

Antes de irmos ao texto, algumas informações sobre a trilha Inca do Peru: o caminho Inca não é para simples turistas. É uma aventura sempre acima dos 2.300m.  Essa altitute pode causar eventuais dores de cabeça, enjôos, palpitações no coração, falta de ar e até mesmo vômitos.

Boa viagem!

Trilha Inca no Peru por Glácia Marillac

O Caminho I

Tudo foi impressionantemente bom: desde a superação do corpo até a elevação do meu espírito. Na trilha, o cansaço por vezes dificulta o pensamento. O ideal é vencer a ansiedade de chegar, mas por muitas, por várias vezes, só pensamos na chegada, sem lembrar que o caminho é a única certeza de que temos.

No início, caminhei sempre acompanhada, como um bebê que está aprendendo a andar. Depois comecei a dar os meus primeiros passos sozinha, mas ainda preocupada em não me perder do grupo. Já no segundo dia perdi o medo de ficar para trás. Não consegui acompanhar os passos dos que estavam à frente e me conformei em andar lentamente em busca do meu objetivo. Senti que não precisava correr, que iria chegar de todo jeito.

Ao aceitar as minhas limitações aprendi a observar o caminho. Recebi algumas dicas de quem já está na estrada e consegui, aos poucos, colocá-las em prática. O aprendizado foi difícil. Tinha medo de acelerar o passo e ficar ainda mais para trás, com uma asa quebrada. Todavia, a observação dos vencedores é a melhor forma de nos sentirmos fortes. Precisamos reconhecer o mérito dos que estão à nossa frente e aprender com eles. Sempre alguém vai estar um pouco mais adiante, por algum motivo.

Na trilha, os carregadores dão um show de superação. Eles passam por nós como águias experientes que sabem exatamente qual pena acionar para voar mais alto. Nos deixam comendo poeira e com sensação de impotência, diante de tanta força. Na vida urbana, porém, eles parecem  pequenos, indefesos diante das diferenças sociais, do poderio econômico que lhes oprime.

A vida é assim: forte e fraca, cheia de surpresas, cheia de possibilidades, repleta de superações. A vida é o caminho. Um caminho onde existem pedras que podem (ou não) ser ultrapassadas. Algumas com facilidade; outras com mais atenção; mas todas podem ficar para trás. Essa é a certeza que conquistamos ao dar o primeiro passo.

Eu não me sinto nem melhor nem pior que antes. Tenho apenas mais  certezas e mais forças para continuar. Não adianta querer  voar enquanto temos apenas pernas. Porém, a sensação de bater asas em direção ao infinito é real. Podemos ir até onde quisermos. E não precisamos ir para termos a sensação do caminho. Todas as trilhas estão na nossa mente. Todos os meandros somos nós quem determinamos e estamos aqui para fazer outras pessoas enxergarem as luzes do caminho, mesmo que pareçam tão fracas.

Eu não tenho olhos mais fortes, não tenho uma vista mais poderosa. Apenas reconheço que há algo além. Que podemos seguir mais adiante ou diminuir o passo e ficar para trás. Temos a opção.

Caminho II

O medo existe. Ele funciona como o cajado que segue amortecendo o impacto de uma possível queda. A queda existe, mas nossas pernas são  suficientemente fortes para seguir à frente guiadas pela força do pensamento. O pensamento, esse sim, é o nosso Deus interno. O nosso elo com o divino e com tudo mais que possa estar bem acima e, ao mesmo tempo, dentro de nós. O pensamento é a nossa fortaleza e o nosso enfraquecimento. É sucesso e derrota. É a busca pelo equilíbrio que garante a nossa satisfação, a nossa felicidade.

A vitória é uma sensação fracional, como um orgasmo múltiplo que nos domina e nos abandona numa fração de segundos. A sensação da conquista – da superação essa sim permanece conosco como uma semente que, se bem plantada, pode gerar florestas prontas para alimentar toda uma cadeia de seres vivos. Mas não me sinto como uma árvore frutífera. Eu me sinto como alguém em busca de adubo para fazer germinar a semente da vida que Deus me deu.

O caminho, para mim, foi um momento mágico. Uma espécie de condutor, de espaço de amadurecimento do fruto gerado por meu esforço. Quando aprendi a correr na trilha, foi como se tivesse aprendido a voar para os braços de Deus. Eu me senti leve, repleta de possibilidades. Senti que o medo, a insegurança, as minhas fraquezas continuavam a me acompanhar, só que agora de forma mais leve.

No segundo e no terceiro dias, cheguei primeiro. Ao perceber isso, dei um passo para trás e deixei o seguinte passar na frente. Não sinto a  necessidade de ser a melhor. Gosto apenas de ter a certeza de que posso chegar lá.

Da rocha coesa onde mirei minha vida, uma pedra estava livre, mas  permanecia segura pela correnteza das minhas emoções. A pedra do meu  coração se confirmou no tronco de uma árvore e nas suas formas irregulares. Da oração, no canto anguloso da rocha em forma de pirâmide, recebi o equilíbrio das águas quentes e frias, cedidas pela natureza protetora e cálida. Da confissão ao padre, senti o carinho das palavras sábias de uma energia maior, que me cuida e me guia, como condutora de suas realizações. E, por fim, a Eucaristia embalada pela canção quéchua foi a celebração do caminho. Como um grande e saboroso ovo de páscoa que dividi com novos e especiais guardiões da grande trilha que é a vida.


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