O que você sabe sobre a Suécia? Além de que é um país nórdico, que faz muito frio em boa parte do ano e que é um país bem desenvolvido (com alto IDH), acho que eu não saberia dizer mais nada. A jornalista Patrícia Cordeiro também não conhecia praticamente nada sobre o país até que surgiu a oportunidade de se mudar para lá. Mas ela não foi sozinha, foi acompanhada do marido e do filho, que na época tinha dois aninhos. A família brasileira está há dois anos vivendo em Uppsala, que fica a 70km ao Norte da capital Estocolmo. Lá, a família cresceu e há seis meses nasceu o caçula. 

Nesta entrevista do Morar Fora, Patrícia nos contou como tem sido a vivência de uma família brasileira na Escandinávia, o desafio de passar uma época do ano completamente sem sol e outro com sol 24h, a adaptação do filho e a experiência do parto em outro país. 

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Compartilhe Viagens: Há quanto tempo você mora em Uppsala, na Suécia, e o que motivou a mudança para o país?

Patrícia Cordeiro: Moro em Uppsala há dois anos. Viemos para cá para que meu marido pudesse fazer pós-doutorado na universidade local.

Você já conhecia o país antes, tinha algum interesse?

Não sabia nem onde a Suécia ficava no mapa! Depois que ela surgiu como opção para nossa mudança foi que começamos a pesquisar sobre o país e seu sistema.

Como foi a adaptação no país, o que foi mais difícil? Você já aprendeu a língua?

A adaptação foi difícil. E ainda é, confesso. Além das diferenças gritantes no comportamento social das pessoas, do frio extremo (no inverno passado chegou a fazer -28C) e do idioma, a escuridão durante o inverno foi o mais difícil. Para se ter uma ideia, no ápice dela o sol nasce por volta das 10h e se põe por volta das 15h. É como se não houvesse dia. É muito deprimente. Em compensação, no verão o sol não se põe. Por aqui há reflexo do chamado “sol da meia noite”, em que oficialmente o sol não se põe durante o dia inteiro, geralmente no solstício de verão. Isso dura umas duas, três semanas. É divertido, mas bem confuso. Tenta convencer as crianças de que já é noite e precisamos dormir quando o sol ainda está na janela!
Quanto ao idioma, o governo oferece um curso gratuito de sueco para imigrantes. Eu estou no último ciclo do curso básico pois tive que interromper o curso por conta da gravidez e puerpério. Hoje entendo muita coisa escrita, e entendo se falarem devagar. Falar que é difícil!!

O filho mais velho de Patrícia na semana que chegaram em Uppsala
Guilherme,  filho mais velho de Patrícia, na semana que chegaram em Uppsala

Você tem um filho nascido no Brasil que foi com vocês para a Suécia e outro nascido aí. Como foi a adaptação do mais velho no país, especialmente, na escola?
Quando viemos tínhamos um filho de 2 anos e aqui nasceu o caçula, que agora tem seis meses e meio. A adaptação de Guilherme foi tranquila na medida do possível, eu acho. Claro que tivemos problemas por causa do idioma. Para completar, meu filho nasceu com fissura de palato e tem dificuldade em fazer alguns sons de fonemas, então essa transição da língua foi ainda mais difícil. Ele
ficava muito frustrado porque quando aprendia palavras novas as pessoas não o entendiam. Nem eu, já que na época eu não falava nada em sueco. Ele mudou de creche quatro vezes em um ano e meio, até que achamos uma em que ele sentiu-se bem e a equipe nos ajudou imensamente com o aprendizado do sueco para ele. Hoje ele fala, além do português como língua mãe, o sueco fluentemente. Como nos relacionamos muito em inglês, ele também entende e fala razoavelmente bem.
Fora isso todo o processo de entender que o frio machuca e precisa vestir as roupas adequadas! No começo ele se recusava a colocar luvas, gorro e o overall (uma espécie de macacão térmico que vai por cima da roupa toda). Hoje é só reforçar: o frio chegou. E ele já sabe que tem que se empacotar.

Patrícia, o marido e o filho mais velho no inverno da Suécia
Patrícia, Fábio e Guilherme no inverno da Suécia

Um dos temas muito debatidos no Brasil, hoje, é a questão da assistência médica ao nascimento. Muito tem se falado sobre parto humanizado e as mulheres vêm questionando o excesso de cesárias no país. Como foi a sua experiência na Suécia com o nascimento do mais novo? Muito diferente do primeiro filho que você teve no Brasil?

Aqui na Suécia você não escolhe o tipo de nascimento. Pressupõe-se que vai haver um parto porque este é o caminho natural. As cesáreas são indicadas sob justificativas médicas (e diz o povo que até se exagera na espera pela indicação, ao contrário do que acontece no Brasil). O atendimento é feito pelas barnmorskas, ou seja, parteiras. Elas são enfermeiras obstétricas e acompanham a gestante desde a entrada na maternidade até o pós parto. Médicos só são chamados quando há identificação de risco. São elas também que fazem todo o acompanhamento pré natal.
Aqui o aborto é legalizado e pode ser feito até a 18a. semana. Então eles fazem uma ultrassom antes disso. Para se fazer outras ultra-sons é preciso autorização médica ou pagar no sistema particular.
Para mim foram duas experiências totalmente distintas. No meu primeiro filho fui vítima de violência obstétrica em vários níveis. Inclusive com a indicação de uma cesárea sem motivo real. Meu filho passou por todos os procedimentos invasivos que são protocolares no Brasil (sucção, limpeza do vernix, colírio, foi separado de mim por quase uma hora no pós parto etc).
Aqui pude esperar o bebê nascer quando quis. Fiquei em trabalho de parto por dois dias e fui muito bem acompanhada. Meu plano de parto foi respeitado, meu filho saiu da minha barriga direto pro meu peito onde ficou por mais de uma hora. O cordão umbilical só foi cortado depois que a placenta nasceu. Ninguém esfregou ele pra tirar o vernix ou sugou seu nariz e boca. Ele só foi pesado e medido depois que estava calmo e alimentado. Ficamos juntos – eu ele e meu marido – por quatro horas na sala de parto, até que decidimos que era hora de ir pro quarto. Há quem reclame, o sistema tem seus defeitos. Mas eu fui muito feliz parindo por aqui.

Com o marido, dois dias antes de ter o filho caçula
Com o marido, dois dias antes de ter o filho caçula, Bernardo

Com relação a nacionalidade dele, como fica? Ele é sueco ou brasileiro?

A nacionalidade dele é brasileira, e a naturalidade, sueca. Brasil e Suécia tem acordo por sangue (a criança ganha a nacionalidade dos pais a não ser que um deles seja sueco) e não por território (como nos Estados Unidos, onde basta que a criança nasça lá para ganhar nacionalidade americana).

Os dois filhos ficam com a nacionalidade brasileira, apesar do mais novo ter nascido em Upssala
Os dois filhos ficam com a nacionalidade brasileira, apesar do mais novo ter nascido em Upssala

Quanto tempo ainda vocês ainda podem ficar na Suécia? Você sente vontade em morar mais tempo no país?

Podemos ficar por mais dois anos por causa do contrato que meu marido tem com o governo brasileiro. Eu tenho bastante vontade de ficar mais, mas ainda não sabemos se será possível.

Fábio, marido de Patrícia, e o filho mais velho, na capital, Estocolmo
Fábio, marido de Patrícia, e Guilherme, na capital, Estocolmo

Do que você sente mais falta no Brasil?

Do sol e da praia. Da espontaneidade das pessoas. Dos amigos de longa data e da família. E da praia. Eu já falei da praia?

Você já pensou em como será a readaptação na volta ao Brasil?

Sim. E imagino que vai ser bem difícil também. Com o tempo você absorve muito dos costumes, é preciso se entrosar. E uma coisa que a sociedade sueca é em extremo é organizada. Certinha. Filas, processos seguidos à risca. Mas que funcionam.

Também tem o fato de que a Suécia é extremamente kids friendly. As crianças ocupam os espaços da mesma forma que os adultos. Todo lugar tem cadeira infantil, trocador nos banheiros masculinos e femininos, rampas de acesso para os carrinhos (além dos cadeirantes, claro) etc. Não olham feio porque você levou seus filhos para o restaurante a noite porque sabem que ter alguém para tomar conta deles enquanto você sai é um imenso privilégio!

No inverno, com o filho mais velho
No inverno, com Guilherme

O que a Suécia tem que você gostaria que tivesse no Brasil também?

Segurança. Outro dia voltava de ônibus com meu bebê e meu cunhado de uma festa. Passava das 22h e nós éramos os únicos passageiros. Nem uma sombra de medo. Poder deixar meu filho correr na rua, nos parques. De brincar sem perigo. Vou sentir muita falta dessa liberdade.

Como você se sente hoje? Já se sente um pouco “sueca”?

Não. Me sinto uma brasileira adaptada e aproveitando tudo o que a Suécia tem de bom.

Quais as principais lições que você leva da experiência de morar fora do Brasil?

Morar aqui me ensina o quanto o Brasil ainda é atrelado ao sistema de serviços e de subempregos. Aqui ninguém lava sua roupa, limpa sua casa, seu banheiro. Você é responsável não só pelo seu espaço, mas pelo espaço coletivo. Quem se propõe a cuidar de serviços domésticos profissionalmente é muito bem remunerado e valorizado.

Respeitar o espaço do outro. Discordar sem brigar ou levantar a voz. E o que mais me encanta e é uma característica muito forte nos países escandinavos: a liberdade individual respeitada desde a mais tenra infância. Crianças são crianças, não há sexualização precoce. Todo mundo brinca do que quer, com a cor que quiser. E ninguém enche sua paciência por isso.

Que conselhos você daria para quem quer morar fora do Brasil, especialmente na Suécia? Quais são os trâmites para conseguir residência no país?

Respirar fundo e ter consciência de que a vida de um expatriado/imigrante não é fácil! Desfrutamos do sistema, aproveitamos a qualidade de vida, mas pagamos o custo alto da adaptação, do preconceito (que existe sim e às vezes é forte) e da dificuldade de inserção no mercado de trabalho.
Conseguir visto de moradia na Suécia é difícil. Você precisa vir para cá com um emprego certo. Ou ser casado/ter união estável com um cidadão sueco. Ou ser um refugiado. Fora isso, são exceções. Então nem sei como dar conselhos quanto a isso. Vale a pena tentar, mas não é fácil!

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