Cerca de 3 milhões de brasileiros vivem fora do Brasil, de acordo com a última estimativa do Ministério de Relações Exteriores, relativa a 2014. Isso é quase a população inteira do meu estado, o Rio Grande do Norte (3,4 milhões). Mas o próprio Itamaraty reconhece que o número pode ser bem maior, considerando que vários brasileiros que vivem no exterior ainda são imigrantes ilegais e evitam participar de pesquisas e censos.

Seja para estudar, trabalhar, pela própria experiência de morar em outro país ou por motivos do “coração”, morar fora do Brasil tem sido uma opção para muitos brasileiros e tantos outros ainda sonham com isso.

Pensando sobre o assunto, me dei conta de quantos amigos e familiares tenho vivendo no exterior, alguns há muitos anos, inclusive. E pensei em criar essa série “Morar Fora”. A cada semana, publicarei entrevistas com pessoas que vivem em outros países, contando suas histórias, as experiências de adaptação, burocracia para imigração, do que sentem falta no Brasil, e com conselhos para quem pretende morar fora, entre outras curiosidades que eu mesma tinha.

Para começar, fiz uma entrevista com Mara Nogueira, residente em Amsterdã desde 2011, e que tem colaborado com o Compartilhe Viagens, enviando posts sobre a Holanda.

Compartilhe Viagens: Há quanto tempo você mora em Amsterdã e o que a fez mudar para a cidade?

Mara Nogueira: No final de novembro deste ano irá fazer 5 anos que moro aqui. Decidi me mudar para Amsterdã depois que eu e meu noivo, que é holandês e residente de Amsterdã, resolvemos que um de nós deveria abrir mão do próprio país, família, amigos, cultura, etc, para morarmos juntos. Analisamos as vantagens de cada situação, e percebemos que seria melhor se eu viesse morar em Amsterdã. O que mais pesou para tomarmos uma decisão de qual dos dois iria mudar-se foi a questão financeira. Eu trabalhava como psicoterapeuta há três anos quando vim de vez para a Holanda, em novembro de 2011, e meu noivo na área financeira e gerente na área hoteleira.

Mara em Amsterdã
Mara em Amsterdã

Você já conhecia Amsterdã antes? Se sim, quando você esteve na cidade como turista teve alguma sensação de que poderia morar ali um dia?

Sim, conheci Jeroen, meu noivo, em 2008, e partir daí passei a vir para Amsterdã, para visitá-lo, duas vezes por ano. Antes de conhecê-lo já havia visitado a Holanda, mas não Amsterdã. Nas vezes que estive aqui, antes de vir morar, nem sempre me sentia turista, pois vinha também com outro objetivo. Como vinha para visitar Jeroen, sempre me senti em casa, mesmo nas primeiras vezes, quando ainda não tinha certeza se um dia viria viver aqui. Isso talvez se dê também pelo fato de eu ter facilidade em me adaptar às diferenças, principalmente a um país tão bonito, organizado, com pessoas simpáticas e educadas como é a Holanda. Já na primeira vez que vim visitar Jeroen, fui conhecer seus familiares no interior, e fui muito bem acolhida e tratada como um membro da família.

Com o noivo holandês, Jereon
Com o noivo holandês, Jeroen

Por quais trâmites você teve que passar para obter a permissão para residir na Holanda?

Primeiro tive que me submeter a um exame de integração civil, que, na época, era feito apenas nos consulados gerais dos Países Baixos no Rio de Janeiro e São Paulo, e na embaixada dos Países Baixos, em Brasília, onde realizei o meu. O exame era dividido em duas partes orais, não havendo parte escrita, e realizado através de um computador, em 30 minutos. A primeira parte consistia em perguntas sobre a sociedade, cultura, política, educação, história e geografia da Holanda. E a segunda testava o conhecimento do idioma holandês. Em Natal, pelo menos nessa época, não havia locais que ofereciam cursos de holandês. Por coincidência, na clínica onde eu trabalhava, eu tinha uma colega fonoaudióloga que tinha uma amiga que era casada com um holandês que dava aulas particulares de holandês, com quem eu tive aulas uma vez por semana… não lembro por quanto tempo, talvez uns 3 meses antes de eu fazer a prova. Jeroen também me matriculou num curso online, que era um curso preparatório específico para esse exame. Fiz o exame e logo em seguida já soube o resultado da minha aprovação. Contudo, a aprovação no exame apenas dava permissão para solicitação do visto, o que não era garantido, pois haviam outros requisitos a serem preenchidos além da aprovação do exame. O governo e serviço de imigração da Holanda exigem que o parceiro holandês receba um salário acima de um valor específico (não sei exatamente quanto) e que ele tenha um contrato fixo. E essa foi uma parte complicada, porque apesar de Jeroen receber mais do que o valor mínimo exigido, ele mas não tinha contrato fixo. Mas a solução apareceu fácil, ou nem tanto. Jeroen decidiu trabalhar como recepcionista noturno, o que lhe dava um contrato fixo, e eu considero uma prova de amor. E além de tudo isso, por não ter mais tempo, ele teve que abandonar a faculdade, onde cursava História. Para a solicitação do visto, além do comprovante do contrato de trabalho de Jeroen, também tive que mandar minha certidão de nascimento, certificado de celibato, e suas traduções oficiais.

Para a aquisição do certificado de celibato tive que levar comigo ao cartório duas testemunhas sem ser da família, que pra mim fez com que o processo demorasse ainda mais. Não por ser difícil encontrar as duas testemunhas, mas pra conciliar um mesmo dia e horário pra nós 3, o que me levou mais de um mês pra conseguir. Tivemos também que enviar para o serviço de imigração provas do nosso relacionamento, como fotos, emails antigos, cartas, cartões, e até mesmo comprovantes dos telefonemas. Todo esse processo de aquisição do visto foi bem trabalhoso, não só em termos financeiros, mas também emocionais. A ansiedade junto ao medo de nada dar certo eram muito grandes, e o tempo parecia não passar. Estimo que gastamos mais de 6 mil reais, com documentos, traduções, exames, envios de correspondência, visto, passagens para Brasília, tanto para fazer o exame, como para ir buscar o visto, entre outras coisas. Dos valores que eu lembro precisamente são os do exame, que na época custava 350 Euros, e do visto 830 Euros. Depois que você manda todas as documentações exigidas solicitando o visto, eles lhe dão um prazo de três meses para a resposta definitiva. A minha resposta positiva chegou dois meses depois. Tive apoio de todos na família e amigos, e no meu trabalho, meus chefes e colegas já sabiam de toda minha situação. Quando cheguei na Holanda, parti para fase seguinte. Fiz um curso gratuito de holandês (obrigatório para todos os imigrantes) e, um ano depois, mais um exame, que também passei, e finalizei todo processo obrigatório para se viver aqui.

Atualmente, todas essas exigências são bem maiores, não só em termos de grau de dificuldade do exame, que hoje é bem maior, mais difícil, com uma parte escrita acrescentada, mas também em termos de valores. O valor da prova é bem mais caro, o visto hoje custa mais de mil euros e o curso obrigatório de holandês não é mais gratuito.

E hoje, qual é a sua situação atual? Você já possui nacionalidade e passaporte Holandês?

Depois de 3 anos vivendo aqui legalmente, você tem direito a pedir a nacionalidade holandesa. Em maio do ano passado fiz o pedido, e em maio deste ano recebi a nacionalidade holandesa. O pedido custou mais de 800 euros, não lembro exatamente quanto. Para receber a nacionalidade, você participa de uma cerimônia bem divertida, junto com seus convidados e outros imigrantes que estão recebendo a nacionalidade no mesmo dia. A cerimônia consiste em algumas palestras sobre a cidade de Amsterdã, um pianista e cantor apresentando canções populares, a hora do juramento, onde cada imigrante sobe no palco para fazer juramento, o hino nacional da Holanda, e finaliza com comes e bebes com quitutes típicos da Holanda. Não possuo ainda passaporte holandês, porque é um documento de viagem, não é obrigatório possuí-lo para permanecer com a nacionalidade holandesa. Caso eu queira viajar para o exterior, meu passaporte brasileiro ainda está válido até outubro de 2017, então não tenho necessidade de pedir o passaporte holandês agora. Mas já tenho permissão para adquiri-lo.

"Não tive dificuldade em me adaptar a nova vida."
“Não tive dificuldade em me adaptar a nova vida.”

Como foi a adaptação no país? O que foi mais difícil?

Não tive dificuldade em me adaptar a nova vida. Sei lidar bem com esse tipo de mudança. Já tinha contato com a cultura europeia desde os 17 anos, pois nessa idade fiz intercâmbio cultural na Alemanha por um ano, e não tive dificuldade em me adaptar aos costumes. Mas também não digo que é fácil deixar o país, família, amigos, emprego, e até a própria língua. A parte mais difícil foi, e ainda é, a saudade da família e amigos. Principalmente quando fico sabendo que vai ter um churrasco de amigos, um almoço em família, um casamento, um chá de panela, ou qualquer outra ocasião que fará reunir pessoas que eu gosto e não estarei presente.

Como foi para conseguir trabalho? O que você faz atualmente?

Quando cheguei aqui eu tinha muita preocupação com essa questão referente a trabalho, minha vida profissional e independência financeira. Vim sabendo que não seria fácil, e cheguei aqui disposta a aceitar até empregos que não fossem na minha área, inclusive os mais simples. Pelo menos para o começo. Por outro lado, sempre me senti muito à vontade aqui, e, se dependesse de Jeroen, eu apenas estudaria. Mas eu tinha necessidade de trabalhar também. Cerca de 7 meses depois que cheguei aqui, comecei a trabalhar no setor de reservas, no mesmo hotel que Jeroen trabalha, pois como também tenho formação na área hoteleira e turística, e falar inglês e outros idiomas, fui aceita com facilidade. Três meses depois, deixei o emprego porque, por ser em outra cidade, eu estava chegando muito atrasada para as aulas obrigatórias de holandês em Amsterdã. Comecei a dar aulas particulares de espanhol de vez em quando, por um tempo, e, em 2013 comecei um estágio supervisionado em algumas creches, onde eu fazia relatórios e avaliações psicológicas. Um ano depois o estágio acabou, e eu decidi me organizar para começar um mestrado na área infantil. O meu diploma foi facilmente aceito e reconhecido, e hoje me dedico apenas aos estudos. Ao longo do tempo que vivi aqui, vi o quanto encontrar emprego, sem falar o idioma oficial, não é fácil. Porém, hoje em dia, sou muito tranquila quanto isso. Estou satisfeita com minha vida atualmente e sou muito positiva em relação ao futuro.

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Do que você sente mais falta no Brasil? Já chegou a pensar em voltar?

Sinto falta da família, da comida brasileira, das praias, de sair com as amigas, e até mesmo de algumas rotinas que eu tinha no Brasil. Sinto falta até do barulho e do cheiro da que vinha da cozinha quando se aproximava a hora do almoço. Sinto falta de sair de casa com minha mãe, nem que fosse pra ir pra uma consulta médica e resolver alguma coisa na rua. Sinto falta de escutar as vozes rotineiras dos meus familiares dentro de casa, quando estão conversando entre si, ou ao telefone, por exemplo. Sinto falta da claridade dos dias brasileiros, tão cheios de sol, barulho e calor. Mas sei lidar com a falta dessas coisas sempre vendo o lado positivo. Se hoje não posso ir com minhas amigas para a praia comer um caranguejo e beber água de coco, vou com Jeroen para um barzinho beber umas margaritas, ou pra um evento cultural, o que é bastante escasso em Natal e na maioria das cidades brasileiras. Vou ao Brasil todos os anos, o que também ameniza bastante as saudades. Já pensei em voltar, mas pensei só por pensar. Nunca levei isso tão a sério. Mas, Jeroen e eu pensamos em passar nossa velhice no Brasil.

O que a Holanda tem que você gostaria que tivesse no Brasil também?

Gostaria que no Brasil tivesse mais incentivo e mais programações culturais. Aqui, todos os dias, em quase todas as partes da cidade, você pode assistir a uma peça teatral, uma apresentação musical, danças, e muito mais, para todos os gostos. Os museus são sempre bem conservados e valorizados. Sem falar nos artistas de rua, que sempre esbarramos por aí nos surpreendendo com seus talentos. E seria muito bom que no Brasil as pessoas tivessem um melhor salário, melhores transportes públicos, que houvesse mais organização, ruas pavimentadas, com ciclovias, boas calçadas, entre outras coisas que aqui tem e que facilitam muito a vida das pessoas. Uma outra coisa que tem aqui e eu queria que tivesse no Brasil, é a pouca importância que as pessoas dão a status. As pessoas aqui, de uma forma geral, são respeitadas independentemente do que elas sejam. O que me chamou atenção, no período que trabalhei e em entrevistas que participei, foi que fui vista como um ser humano, e não como uma mera empregada que deve ser encaixada numa função e fazê-la com eficiência. Os empregadores também se preocupam com os interesses dos seus empregados. É uma troca. Aqui, eu posso dizer, perfeitamente, numa entrevista, que não gostaria de trabalhar nos finais de semana, porque também quero ter um tempo livre junto com meu companheiro, e durante os finais de semana é quando ele está livre. O empregador não vai achar que você é preguiçoso por causa disso, e nem irá lhe descartar por isso. Se você tem qualificação é o que importa. A não ser que seja um emprego em que uma das exigências seja que o funcionário trabalhe nos finais de semana, mas aí cabe a você, então, se candidatar ou não à vaga. Você pode adoecer sem problema, ninguém vai achar que você está mentindo.

Algo que também gosto muito nos holandeses é da praticidade. Eles não costumam encher a casa com móveis e cacarecos desnecessários, apesar de gostarem também de decoração, como quadros, vasos e objetos antigos. Eles não possuem o hábito de estarem sempre comprando roupas novas e costumam repetir suas roupas com frequência mesmo que sejam muito antigas. Costumam também guardar algumas roupas de quando eram crianças para deixarem para seus filhos, sobrinhos ou filhos de amigos.

Como você se sente hoje? Mais brasileira ou mais holandesa?

Me sinto cidadã do mundo. Me sinto uma pessoa curiosa pra conhecer o mundo, lugares novos, culturas, pessoas diferentes, com visões diferentes, idiomas diferentes. Mas para definir minha nacionalidade, sou brasileiríssima, pois assim cresci, assim me sinto, e sou muito feliz de ser e sempre serei, mesmo que não queira. Sou uma brasileira daquelas que defende seu país, mas sem deixar de enxergar os problemas. Mesmo de longe, o Brasil está a minha volta e dentro de mim. Não me sinto holandesa, me sinto uma brasileira integrada e adaptada aos costumes holandeses. Como diz o provérbio “Quando em Roma, faça como os romanos”, assim vivo aqui. Mas, como brasileira, nada me impede de trazer um pouco dos meus costumes pra minha vida na Holanda. Como escutar uma música brasileira, de vez em quando, ou ao invés de comer um sanduíche na hora do almoço, como eles fazem aqui, eu faço uma refeição como no Brasil. E quando estou de visita na casa de alguém aqui, como um sanduíche na hora do almoço sem problema.

"Como diz o provérbio 'Quando em Roma, faça como os romanos', assim vivo aqui. "
“Como diz o provérbio ‘Quando em Roma, faça como os romanos’, assim vivo aqui. “

Que conselhos você daria para quem quer morar fora do Brasil, especialmente em Amsterdã?

Aconselho para a pessoa que quer morar fora que ela vá consciente das coisas que ela irá perder, e não pense só nas coisas que irá ganhar. Muitos só se lembram da parte boa e das vantagens, e só dão valor ao que perderam, quando começam a sentir na pele a falta dessas coisas. É preciso avaliar as vantagens e desvantagens, para, pelo menos, ter uma noção se mudar de país vale a pena, sem se iludir, achando que a vida será um mar de rosas, só pelo fato de ter se mudado pra um país diferente. Sugiro, se possível, fazer uma visita ao país desejado antes da mudança. Para os que vão com aquele sentimento aventureiro apenas tentar a sorte, que vão sabendo que poderão se decepcionar, mas que sempre poderão voltar. E pra quem vem a Amsterdã, que saibam respeitar a cultura, a questão da tolerância ao uso de cannabis, da prostituição legalizada, aborto, casamento homossexual, entre outras questões ligadas à liberdade individual que não existem dentro da lei brasileira, e com as quais muitos podem se chocar. O fato do Brasil ser um país com um grande número de cristãos praticantes, sendo inclusive berço da maior comunidade católica do mundo, os que chegam aqui desavisados podem se surpreender com essas diferenças e não se adaptarem com o grande número de ateus, e a falta de igrejas e cerimônias religiosas. Muitas igrejas aqui só são igrejas por fora, por dentro elas abrigam lojas, escritórios e algumas foram até transformadas em teatros e casas de show.

Gostaram da entrevista? Muitas dúvidas esclarecidas, né? Se tiver mais perguntas, deixem aqui nos comentários, que pedirei para Mara responder, na medida do possível. Vocês também podem sugerir perguntas para as próximas entrevistas e os países que vocês querem saber mais.

Leia mais sobre a Holanda:

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